Pesquisa maranhense sobre infecção respiratória é uma das mais visualizadas no Journal of Medical Virology
Lídio Gonçalves Lima Neto foi bolsista de Produtividade em Pesquisa da FAPEMA (2016 – 2018). É pesquisador do programa de mestrado em Biologia Microbiana pela Universidade CEUMA, professor do programa de doutorado da Rede de Biodiversidade e Biotecnologia da Amazônia Legal (Rede Bionorte). Mestre e doutor em Ciências Farmacêuticas pela Universidade de São Paulo (USP), é graduado em Farmácia-Bioquímica pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Foi estudante visitante da University of Illinois at Chicago, EUA, e atua em três linhas de pesquisa: ação anti-inflamatória e antiviral de produtos naturais, estudo dos mecanismos de evasão da Chlamydia pneumoniae e estudo das infecções respiratórias.
ENTREVISTA
Por Cláudio Moraes
Um dos seus estudos mais recentes, publicado no “Journal of Medical Virology”, ganhou um selo de um dos artigos mais visualizados. Do que ele trata e porque, na sua avaliação, ele tem atraído tanta atenção da comunidade científica?
A nossa publicação ganhou uma grande repercussão na Editora Wiley, que é uma das mais importantes na área científica. Foi uma das 10 mais visualizadas no período entre janeiro de 2018 e dezembro de 2019, sendo que havia sido publicada em julho de 2019. Ou seja, em apenas seis meses a gente conseguiu ser uma das mais lidas. Houve bastante repercussão até antes da pandemia, porque a infecção respiratória já é um tema bastante relevante, bastante lido, embora poucos trabalhos no Brasil tenham esse foco.
A gente investigou um painel viral respiratório em crianças com pneumonia aqui no Maranhão. E se identificou qual foi o vírus e também se relacionou com sazonalidade, fatores de risco como baixo peso ao nascer, aleitamento materno, desnutrição – que isso hoje é o grande foco, inclusive. Então, é uma publicação de muito Impacto que, inclusive, tem mais impacto, ainda, com a pandemia de hoje. E se já foi uma das mais 10 mais lidas antes da pandemia, com certeza, está sendo uma das mais lidas neste momento, até porque a revista Journal of Medical Virology, onde foi publicada, é hoje, provavelmente, a revista em que há mais publicações sobre coronavírus.
Em sua tese de doutorado, há 9 anos, você já estudava a relação entre o Infarto agudo do miocárdio e a resposta inflamatória induzida pela bactéria causadora da pneumonia. Parece um tema bem atual diante da pandemia da Covid-19, em que são noticiados casos de infarto. Explique essa relação. Ela tem ocorrido, efetivamente, com os doentes com a Covid-19?
A minha tese de doutorado teve foco com ênfase na relação da Chlamydia pneumoniae com o infarto do miorcárdio. A diferença em relação à Covid é a seguinte: a Chlamydia pneumoniae é um patógeno intracelular e a teoria é que ela, via respiratória, causa embolia no coração e causa uma inflamação de baixo grau e, ao longo do tempo, o processo de arteriosclerose era desenvolvido. Então, assim, a relação Chlamydia pneumoniae e infarto do miorcárdio é algo mais crônico ao longo da vida e estaria mais associado a infarto em idosos, porque, ao longo da vida, a Chlamydia ia produzindo essa inflamação de baixo grau. Agora, a COVID-19 é uma doença sistêmica caracterizada por hiperinflamação, tempestade de citocinas e elevações de biomarcadores de lesão cardíaca. Então acaba tendo essa relação…
Você já conquistou duas patentes com as suas pesquisas. Do que elas tratam? Quais os benefícios para a sociedade?
A gente tem uma longa história de estudo anti-inflamatório da romã e isso gerou patentes. Elas tratam do perfil anti-inflamatório e antimicrobiano de produtos derivados da romã, em especial uma substância que a gente conseguiu isolar que, inclusive, foi objeto da melhor tese de doutorado do Prêmio Fapema do no ano passado. Vale ressaltar o apoio da professora doutora Carla Prado da UNIFESP da Baixada Santista em São Paulo.
Inclusive essa substância, que nós identificamos e isolamos com o apoio da professora doutora Claudia Quintino da UFMA, não tinha sido descrita anteriormente com atividade farmacológica. Neste sentido, estamos viabilizando um novo estudo, estamos buscando financiamento para isso, para fazer atividade antiviral dela com outros vírus respiratórios (vírus sincicial respiratório e rinovírus) que foram os dois principais vírus que tinham sido causadores de pneumonia em criança aqui no Maranhão, naquela publicação prévia que tinha sido citado.
Então, a gente faz um link entre o estudo etiológico do vírus respiratório com a busca de novos antivirais. Então esse é o tema da pesquisa, das patentes, já é um anti-inflamatório, já tem várias várias publicações, patentes mostrando que a substância da romã é anti-inflamatória e, agora, a gente está tentando buscar outras atividades dessa substância. E, agora, o foco principal é antiviral, principalmente em relação aos vírus respiratórios.
Não seria o caso da utilização dessa substância, de forma preventiva, já que a segunda fase da Covid-19 se trata de uma resposta inflamatória do organismo?
Em relação à relação da substância da folha da romã pra Covid 19, esse é o estudo que a gente está realizando agora. Fechamos parceria com a Universidade de São Paulo. Lá eles tem um Laboratório NB3, com norma de biosegurança 3, em que se consegue manipular o vírus SARS-CoV2. E, aí, já se iniciou, inclusive, um estudo em parceria com uma universidade da Alemanha para realização de ensaios in silico dessa substância.
A gente vai avaliar o efeito direto dessa substância da romã no vírus e a sua ação anti-inflamatória, porque o tratamento da Covid-19 envolve substância anti-inflamatória e a grande vantagem é a baixa toxidade, como se mostrou no estudo publicado. Pelo menos em célula, a citotoxidade foi baixa, pois as doses altas foram testada in vitro. Porém, para isso, são necessários vários ensaios, mas estamos esperançosos por bons resultados.
Conte-nos sobre a sua trajetória profissional que o credenciou a coordenar setor de biologia molecular do LACEN/MA. Como foi traçada essa linha do tempo?
Após eu me formar em Farmácia e Bioquímica pela UFMA, eu cursei mestrado e doutorado na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP. Lá, o principal foco era trabalhar com Chlamydia pneumoniae que é uma bactéria, no entanto ela é intracelular obrigatória, no seu clico de replicação. Então, é muito parecido com os vírus, tanto que as técnicas de detecção são de cultivo celular, PCR em tempo real e cultivo celular, além disso, a forma de transmissão também é respiratório.
Assim, todos os protocolos que são utilizados pra Chlamydia pneumoniae são os mesmos para vírus respiratórios. E, em 2011, ao terminar o doutorado na USP, eu iniciei a coordenação de um laboratório de infecções respiratórias na Universidade Ceuma e hoje faço parte do mestrado em biologia microbiana, do doutorado em biotecnologia e biodiversidade, coordeno a Comissão de Ética de uso animal, além de ser professor dos cursos de Medicina e Farmácia.
Qual foi a participação da FAPEMA nessa sua trajetória profissional?
Foi muito importante, pois, praticamente, todos os projetos da gente tem apoio da Fapema. Então, sem o apoio financeiro da Fapema a gente não teria conseguido praticamente nada. A gente conseguiu os equipamentos com a Fapema, os reagentes com a Fapema, e eu estou muito satisfeito. Também é importante mencionar todo o apoio dado pela universidade CEUMA.
Quais são os projetos para o futuro?
Os projetos futuros são esses: o foco antiviral, obter produtos antivirais, principalmente para vírus respiratórios, com essas substâncias presentes aqui na região pré-amazônica. O foco principal é a romã, mas outras substâncias vão ser testadas também. O nosso futuro no laboratório, na pesquisa é esse, com a ênfase na comprovação da atividade antiviral de substâncias da região pré-amazônica.
Explique como é realizado o exame para identificar quem está infectado com a COVID-19. Quantos profissionais integram a equipe do LACEN/MA e qual a rotina?
O exame no Lacen é realizado por uma equipe técnica bastante qualificada. Há a área operacional, diretamente relacionada à Covid, como a parte pré-analítica que recebe a amostra, faz a avaliação da qualidade da amostra até encaminhar ao nosso setor de biologia molecular, que eu coordeno, que faz as outras etapas. São 13 profissionais exclusivamente na equipe de biologia molecular. Primeiro, a gente faz uma aliquotagem pra tirar a amostra suspeita viral do tubo primário para o tubo secundário. Em seguida, é feita a extração de RNA do material genético. O vírus é inativado e extraído o seu RNA. Em sequência, a gente faz a amplificação e detecção do vírus usando uma técnica chamada de PCR em tempo real. E, após a fase analítica, a gente libera esse resultado detectado, ou não, pra Sars-Cov-2 no sistema de gerenciamento de ambiente laboratorial. E, aí, o médico e o paciente recebem, posteriormente, o seu resultado.
Há tantas receitas que vem sendo utilizadas popularmente para evitar contrair a Covid-19, como chás, alho, limão, mel, zinco, vitamina D, azitromicina, nitazoxanida, ivermectina, heparina, ozônio… Qual a sua avaliação sobre isso? Existe alguma forma de prevenção contra a doença?
Essas receitas, chá, alho, mel, limão, zinco, vitamina D e azitromicina precisam de comprovação científica. Sou cientista e só se comprovado cientificamente pode-se estar falando sobre o uso. No entanto, zinco e vitamina D já são moléculas envolvidas no processo anti-inflamatório. Já se sabe disso. É clássico isso. De fato, a reposição de vitamina D e vitamina C são fatores importantes que a gente tem, sim, que levar em consideração neste momento. A nossa imunidade está sendo associada… Alguns estudos já mostram a associação da deficiência de vitamina D com a exarcebação da inflamação. Então faz todo sentido…
Para finalizar, qual a sua recomendação à população maranhense em tempo de Covid-19 ?
Nesse momento de pandemia, a minha recomendação pra população maranhense é manter o isolamento social, principalmente distanciamento social. O uso de máscara é essencial, pois a máscara protege, e tem que manter todos os cuidados, principalmente higienizar as mãos com frequência. São as três principais orientações que tem que ser seguidas e aguentar mais um pouco. A gente tá numa pandemia, mas já vemos uma luz no fim do túnel. O pico provavelmente já foi … Então a gente já tá próximo de voltar às atividades, de forma mais tranquila, porém ainda sendo necessários os protocolos sanitários porque ainda tem o vírus circulando no Maranhão.