Pesquisa desvenda aspectos de antigas habitações no Maranhão

trabalho no laboratório
Por Ivanildo Santos 8 de junho de 2016

trabalho no laboratórioO estudo está sendo realizado pelo arqueólogo Alexandre Navarro e já coletou diversas informações e objetos que irão ajudar a desvendar características das comunidades que habitaram na região da Baixada Maranhense centenas de anos atrás

Estearias é como são denominadas moradias pré-históricas construídas às margens ou no meio de lagos e que deram origem ao que hoje se conhece como palafita. Esses estilos de casas, tão comuns em diversas cidades do Maranhão, e que hoje se caracterizam pela pobreza por conta da exclusão social, o oposto do que ocorria àquela época, em que eram moradias complexas e mostravam avanços de engenharia da população indígena, visto que essas casas eram construídas sobre troncos de árvores ou esteios em regiões alagadiças. Também estão presentes em algumas regiões da Europa, como Itália, França, Alemanha e Suíça e são alvo da pesquisa O povo das águas: carta arqueológica das estearias da porção centro-norte da Baixada Maranhense, desenvolvida pelo coordenador do Laboratório de Arqueologia da Universidade Federal do Maranhão, Alexandre Navarro, Pós-doutor em Arqueologia Histórica, pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). O trabalho está centrado nos municípios de Olinda Nova do Maranhão, Santa Helena e Pinheiro, onde há registros arqueológicos desse tipo de construção.

O povo das águas é um projeto acadêmico multidisciplinar que tem por objetivo a realização de pesquisa arqueológica, com delimitação dos sítios arqueológicos mediante atividades interventivas e não-interventivas, escavação arqueológica, coleta de amostras, análises de laboratório, curadoria e educação patrimonial. O resultado esperado é uma carta arqueológica, ou mapeamento, das estearias localizadas na porção centro-norte da Baixada Maranhense, que consiste no primeiro passo para a sistematização e levantamento de dados de uma pesquisa, já que permite saber o potencial arqueológico de uma determinada região. “Para além disso, buscamos compreender a dimensão temporal e espacial das comunidades pré-históricas, tendo em vista a ocupação e adaptação desses povos na região em análise”, explica Alexandre Navarro, que afirma que a investigação dos processos de ocupação humana nas estearias, aliada à análise material, permitirá construir um panorama cultural dessas populações, sua relação com a paisagem e o meio construído e a dispersão pelo território.

A carta arqueológica, diz o pesquisador, fornecerá um catálogo de sítios que, após inventariados, servirão como base de dados para a elaboração de pesquisas pontuais futuras. “Com isso teremos informação não somente da totalidade da área ocupada e a localização exata dos vestígios das comunidades do passado, mas um mapeamento que guiará ações futuras, arqueológicas e/ou patrimoniais”.

Espaços – Segundo Alexandre Navarro, a escolha da região de estudo decorre de quatro fatores. O primeiro deles seria que se trata de um sítio arqueológico único no contexto da pré-história brasileira. Segundo, pela escassez de estudos dessa área. O terceiro por se tratar de um espaço bem preservado, dado seu contexto aquático. “Por fim, por apresentar iminentes riscos de destruição, visto que há planos para a construção de algumas barragens na região”.

Os locais onde se realizaram as coletas foram selecionados levando-se em consideração alguns fatores. Na Estearia do Armíndio, no município de Santa Helena, o principal foi a pouca profundidade do lago, que permite a realização das atividades subaquáticas. “Como não dispomos de equipamentos de mergulho, só pudemos fazer coletas sistemática a 50 centímetros de profundidade com a demarcação de quadrículas por 1 m² e com georreferenciamento. Mas, ainda assim, isso só foi possível pelo rio não ser profundo na época da estiagem”, explica o pesquisador.

O sítio chamado Boca do Rio, que fica no Rio Turiaçu, foi descoberto pelo pesquisador Raimundo Lopes no início do século XX e redescoberto agora pela equipe do professor Navarro. No local há pelo menos10 estearias, no entanto, em toda a Baixada existem, até o presente, aproximadamente 20 estearias conhecidas. A maior fica no Lago de Penalva e possui dois quilômetros de extensão. A de Coqueiro (em Olinda Nova do Maranhão) é a segunda maior. Nessa, as pesquisas só foram possíveis devido à recente estiagem que atinge o Nordeste do Brasil, que provocou uma seca na Baixada Maranhense que não ocorria desde a década de 1980, e fez com que o Lago do Coqueiro ficasse completamente exposto no final de 2012, quando foram realizados os levantamentos. “Lá encontramos um alinhamento que poderia indicar, em nível hipotético, uma ponte que ligava duas aldeias elevadas”, revela Alexandre Navarro.

A Estearia do Encantado é o terceiro maior sítio e fica no povoado de Cuba, no município de Pinheiro. De acordo com o pesquisador, apesar das muitas interferências antrópicas, ainda restam 10 hectares do sítio, o equivalente a 10 campos de futebol. “O restante foi destruído para retirada dos esteios, que eram vendidos para fazer cercas”, revela Alexandre. Apesar disso, ainda é possível detectar vários esteios ao longo da área. “Nosso objetivo foi mapear esses pontos e realizar algumas sondagens para verificar e estabelecer uma estratigrafia para o sítio”, conta o pesquisador.

Investigação – O estudo está sendo desenvolvido em etapas, que se iniciaram em abril de 2014. Segundo Alexandre Navarro, isso se justifica pela os esteiossazonalidade dos lagos na região, pois partes das estearias estão submersas ficando aparentes apenas no período da estiagem.

No planejamento pré-campo foram realizadas atividades de suporte à pesquisa, como levantamento bibliográfico e oficinas de educação patrimonial com a equipe. A etapa seguinte foi a de identificação, delimitação e mapeamento das estearias, quando os pesquisadores fizeram um mapeamento da dispersão dos esteios nos sítios arqueológicos, bem como construção de mapas temáticos com os dados obtidos em campo. “Também realizamos oficinas de educação patrimonial com o público local, ação esta que repetimos na etapa seguinte”, revela Alexandre Navarro.

A terceira fase, aliás, foi a de escavação arqueológica em três locais de estearias, quando também aconteceu a consolidação dos mapas temáticos, a coleta de amostras para arqueometria (utilização de técnicas das ciências exatas nos estudos arqueológicos) e análises de outras áreas do conhecimento. A pesquisa prosseguiu com as atividades de laboratório, que se iniciou em 2014 e foi parcialmente finalizada em março deste ano, e consistiu na análise da cultura material lítica e cerâmica, bem como na construção de um banco de dados e na elaboração estatística. “Isso significa que, depois de mapear os sítios, nós fazemos a comparação entre os mapas considerando-se fatores como dimensões, formato, quantidade de esteios, localização e área total”, conta o pesquisador.

A parte final do trabalho é a divulgação dos resultados. “Até o momento a pesquisa frutificou em quatro capítulos de livro e um artigo científico”, revela Alexandre Navarro.

Ainda este ano, será lançado um livro sobre Arqueologia onde constará mais um trabalho sobre as estearias, e, no ano de 2107 uma obra somente sobre esta temática. “Em seguida, os trabalhos continuam”, prevê o Navarro, que revela, também, que, até o momento, foram feitas escavações que resultaram na coleta de milhares de objetos. Todas essas descobertas, assim como o projeto como um todo, já foram divulgadas em congressos internacionais realizados no Brasil, desde 2014, ano em que se iniciaram os trabalhos.