Pesquisa descreve a trajetória de mulheres em situação de abortamento nos momentos da atenção hospitalar

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Por Ivanildo Santos 22 de novembro de 2016

aborto.siteDe acordo com a Pesquisa Nacional de Aborto, conduzida pela Universidade de Brasília, passa de cinco milhões o número de mulheres brasileiras que já abortaram. As suas complicações representam uma das principais causas de morte materna e grave problema de saúde pública. Quando não se traduz em estatística de internação hospitalar ou de mortalidade materna, o aborto gera sofrimentos físico e emocional à mulher.

Para avaliar a qualidade da atenção prestada às mulheres admitidas por complicações do aborto em hospitais públicos do Sistema Único de Saúde (SUS), comparando três cidades da região Nordeste (Salvador, Recife e São Luís) nas quais as complicações por aborto representam de modo significativo, importantes causas de morte materna no país, a professora e doutora em Saúde Coletiva pela UFMA, Cláudia Teresa Frias Rios observou durante o mês de abril de 2011 a assistência prestada em três maternidades de São Luís que apresentaram menor razão parto/aborto no ano de 2008.

Seis profissionais do sexo feminino realizaram a observação em ritmo de escala para avaliar a atenção prestada à mulher em situação de abortamento desde a sua chegada, admissão, até a sua alta e em todos os turnos e todos os dias da semana, incluindo um período de feriado. “A cada plantão era produzido um diário de campo. Um dos principais nós críticos identificados foi a falta da ultrassonografia nas 24 horas, definindo o fluxo assistencial e o tempo de internação”, explicou a professora.

Foi elaborado um roteiro para auxiliar na observação de vários aspectos, principalmente a trajetória das mulheres em situação de abortamento nos diversos momentos da atenção hospitalar.

A forma de organização da demanda, tempos assistenciais (tempo de espera para cada momento assistencial e duração de cada momento), caracterização dos profissionais (formação, capacitação e domínio sobre a função), ambiência, interação entre os atores envolvidos e a humanização (acolhimento, direito a acompanhante, autonomia e escuta qualificada) foram algumas das características analisadas.

O estudo identificou que o procedimento para esvaziamento uterino mais realizado foi a curetagem, independente da idade gestacional, por falta de material para realizar a AMIU, procedimento de aspiração manual intrauterina indicado para o abortamento precoce. “A realização de cesárea era priorizada em relação à curetagem, retardando mais o procedimento”, afirmou a professora.

A pesquisa constatou também que, no período de análise, a atenção às mulheres que sofreram aborto ainda estava longe de ser humanizada. De acordo com Cláudia Teresa Rios, mudanças estruturais e organizacionais importantes precisariam ser feitas para a promoção da atenção humanizada e de qualidade às mulheres em abortamento. “A atenção prestada nos serviços avaliados na época apresentou quebra na produção do cuidado oportuno e integral e o modelo assistencial vigente estava longe de atender ao que é preconizado como humanizado. Esses processos de trabalho nos serviços priorizavam o modelo médico hegemônico, centrado no procedimento e pouco voltado às tecnologias relacionais”, avaliou.

Para a pesquisadora, é necessário a implementação da norma de atenção humanizada ao aborto preconizada pelo Ministério da Saúde; avaliação estrutural e organizacional pelos gestores local e estadual e a promoção da educação continuada para todos os profissionais que prestam a assistência direta ou indireta à mulher em situação de abortamento.