Novo medicamento para hipertensão
Um novo tratamento para hipertensão, doença silenciosa que afeta cerca de 30 milhões de brasileiros, promete mais eficácia e menos efeitos colaterais. Baseada na descoberta do potencial terapêutico de um peptídeo que desencadeia um mecanismo capaz de reduzir a pressão arterial, a terapia foi um dos destaques do 17º Encontro Anual da Sociedade Brasileira de Hipertensão (SBH).
O encontro foi realizado junto com o 18º Simpósio Científico da Sociedade Interamericana de Hipertensão (IASH, na sigla em inglês), que reuniu mais de dois mil pesquisadores, profissionais de saúde e estudantes na semana passada em Belo Horizonte. A pesquisa foi desenvolvida no Laboratório de Hipertensão Arterial da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
O medicamento resulta de pesquisa iniciada há 22 anos por Robson Souza dos Santos, pesquisador na área de fisiologia cardiovascular e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Nanobiofarmacêutica, com sede na UFMG. Durante seu pós-doutorado na Cleveland Clinic Foundation, em Ohio, Estados Unidos, na década de 1980, ele identificou o receptor de angiotensina 1-7, substância que atua no sistema renina-angiotensina, responsável pela contração e relaxamento das artérias.
“Era uma pesquisa básica que se tornou aplicada”, conta Santos, explicando que a questão que pautou seus experimentos, então, foi verificar se a administração de inibidores da enzima conversora da angiotensina teria influência no funcionamento do sistema nervoso central.
Em testes com ratos foi possível observar que, nos animais normais, a substância, que produz vasodilatação, altera pouco ou nada a pressão arterial. Já em ratos hipertensos, ela protege o coração e reduz a pressão. Essa é a principal diferença do novo composto em relação aos demais medicamentos existentes para tratar a hipertensão. Enquanto estes atuam por meio do bloqueio do eixo que aumenta a pressão arterial, o medicamento desenvolvido na UFMG age sobre o eixo que diminui a pressão.
Além disso, segundo o pesquisador, a droga possibilita a redução das lesões em órgãos-alvo dos pacientes hipertensos, como coração, rim e cérebro, e produz menos efeitos colaterais, uma vez que se trata de um peptídeo endógeno, isto é, que já existe em nosso organismo.
Sem injeção
O pulo do gato, porém, na avaliação de Santos, foi a descoberta da possibilidade de administração oral do peptídeo. “Até agora era administrado apenas por via venosa”, conta o pesquisador. A transformação do peptídeo em comprimidos foi possível graças a recursos da nanotecnologia, obtidos a partir da colaboração de pesquisadores de outras áreas, como Rubén Dario Sinisterra, do Departamento de Química do Instituto de Ciências Exatas da UFMG.
Sinisterra conseguiu encapsular a angiotensina 1-7 em ciclodextrina, molécula de glicose de dimensões nanométricas. Com isso, a formulação consegue passar intacta pelo estômago e pelo intestino delgado, com sistema de liberação controlada, o que a torna mais eficaz.
Nos testes em ratos com enfarto do miocárdio, a droga ministrada por via oral foi capaz de reduzir aproximadamente 50% da área de lesão derivada da obstrução da coronária. Foi verificado ainda um efeito antidiabetogênico provocado pela queda de pressão.
Os estudos clínicos com pacientes humanos já começaram com a administração do medicamento pela via endovenosa e agora serão iniciados os testes com o comprimido. Santos calcula que, se os testes forem bem sucedidos, a droga poderá chegar ao público dentro de dois a três anos.
Ele observa, ainda, que a pesquisa com a angiotensina 1-7 poderá levar ao desenvolvimento de outros fármacos para diversas disfunções orgânicas. Uma das ideias, diz o pesquisador, é a criação, a partir da utilização da biotecnologia, de um iogurte anti-hipertensivo contendo a substância.