Maior parte do dinheiro americano está contaminada por cocaína
Para os usuários de cocaína, uma nota de US$ 20 enrolada pode ser a ferramenta mais conveniente para cheirar a droga em forma de pó. Ou pelo menos assim parece pelo resultado de uma recente análise de 234 cédulas provenientes de 18 cidades americanas, nas quais em 90% foi encontrada cocaína.
Talvez isso não seja surpresa, já que segundo um relatório do Escritório de Política Nacional para o Controle das Drogas dos Estados Unidos mais de 2 milhões de americanos usaram cocaína em 2007, o que está relacionado com efeitos adversos que vão desde vício debilitante até ataques cardíacos. O Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime, por seu lado, relatou no mesmo ano que 6 milhões de americanos admitem usar cocaína anualmente, consumindo um total de 457 toneladas em um ano.
“A cocaína é um estimulante poderoso e viciante e uma das drogas ilícitas mais consumidas no mundo”, observa o químico Yuegang Zuo, da University of Massachusetts, em Dartmouth, que realizou os testes e apresentou seus resultados no encontro da Sociedade Americana de Química, em Washington, D.C. Esta cidade está numa das posições mais altas na pesquisa – 95% das notas testadas lá apresentaram contaminação por cocaína – juntamente com Baltimore, Boston e Detroit. Salt Lake City foi a cidade que apresentou os níveis médios mais baixos de contaminação. “O exame de contaminação por cocaína no papel moeda fornece informação epidemiológica objetiva e oportuna sobre o consumo de cocaína em comunidades distintas”, argumenta Zuo.
O que talvez seja mais surpreendente é que a porcentagem de notas contaminadas parece estar crescendo. Há apenas há dois anos Zuo realizou um estudo semelhante e encontrou cocaína em apenas 67% das cédulas em Massachusetts. “Ainda é cedo para tirarmos conclusões sobre as causas”, afirma. “A recessão econômica, por exemplo, pode ter contribuído parcialmente para o salto.”
Entretanto, a Força Administrativa de Narcóticos dos Estados Unidos (DEA, na sigla em inglês) observa que outras avaliações, como exames preliminares de amostra de urina de réus acusados de crimes, mostram que o uso da droga, ao menos na área de Washington, D.C, sofreu um leve declínio – apenas 29% dos adultos presos tinham traços de cocaína na urina nos primeiros seis meses de 2009, o índice mais baixo desde 1985. “Sabemos que o preço da cocaína subiu significantemente nos últimos dois anos, o que geralmente desencoraja o uso da droga”, observa a agente especial Melissa Bell, do escritório de Washington, D.C. da DEA. “Viciados acabam usando alguma coisa mais barata.”
O níveis de cocaína nas cédulas americanas variam de 0,006 microgramas a mais de 1.240 microgramas – o equivalente a 50 grãos de areia – e notas de US$ 5, US$ 10 e US$ 20 estão em média mais contaminadas que as de US$ 1 ou US$ 100.
Zuo e seus colegas também testaram cédulas do Brasil, Canadá, China e Japão, e descobriram que os asiáticos parecem usar menos drogas – apenas 20% das 112 notas chinesas de Yuan testadas apresentavam traços, e apenas 12% das 16 notas japonesas de Iene continham a droga.
Os canadenses, entretanto, também parecem ser grandes apreciadores e, talvez, um pouco negligentes no consumo e tráfico. Mais de 2.350 microgramas de cocaína foram encontradas em algumas das notas canadenses, 85% das quais apresentavam algum nível de contaminação, enquanto que 80% das notas brasileiras de real também apresentaram traços da droga.
Não é possível dizer, no entanto, se o consumo de drogas está aumentando ou se caixas eletrônicos e outras máquinas que lidam com dinheiro, cujo uso é cada vez mais disseminado, contaminam as notas ao espalharem o pó contido em uma para muitas outras. “É difícil dizer em números quanto é devido à contaminação primária, como durante o tráfico ou consumo, e quanto é devido à contaminação secundária, como durante a interação entre notas contaminadas e não contaminadas”, observa Zuo. “Ambas as situações podem contribuir, mas parece claro que uma cédula que contém 1.240 microgramas de cocaína foi usada diretamente em uma sessão de consumo ou durante uma transação de tráfico.”
Estudos anteriores efetuados desde 1987 encontraram níveis variáveis de contaminação por cocaína, alguns até mais altos que os atuais, mas Zuo foi o primeiro a testar cédulas estrangeiras empregando um novo método de cromatografia gasosa, que detecta a assinatura química da droga sem a necessidade de estragar o dinheiro para realizar a análise.
Segundo Zuo, a descoberta pode complicar a tática antidroga utilizada pelo Escritório Federal de Investigação (FBI, na sigla em inglês) e outros departamentos de investigação. Em alguns casos o FBI compara os níveis de contaminação por cocaína em notas apreendidas com os níveis encontrados nas notas em circulação geral para utilizar como evidência. “Às vezes os traficantes usam esses estudos para recuperar o dinheiro quando fazemos uma apreensão”, observa Bell. Entretanto, os cães farejadores da DEA na verdade não detectam a cocaína, mas sim a substância química utilizada na sua produção, que se dissipa mais rapidamente. “Portanto eles não conseguem recuperar o dinheiro”, acrescenta.
De acordo com a pesquisa, parece que as notas de 100 não são muito populares entre os traficantes (ou usuários) como talvez se acredite popularmente. “Raramente se vê tirarem as de 100, a não ser que estejam comprando quilos”, acrescenta Bell. “O usuário nas ruas utiliza notas de 5, 10 ou 20”.