LHC realiza as primeiras colisões de partículas

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Por Ivanildo Santos 31 de março de 2010

Cientistas anunciaram ter conseguido pela primeira vez nesta terça-feira a colisão de feixes de prótons no Grande Colisor de Hádrons (LHC, na sigla em inglês), o acelerador gigante que visa colidir partículas no nível mais alto de energia já tentado, recriando as condições presentes no momento do Big Bang. O LHC, situado em um túnel subterrâneo circular de 27 km de extensão sob a fronteira franco-suíça, começou a circular partículas em novembro passado, depois de ser fechado em setembro de 2008 por causa de superaquecimento.

Um cientista sênior que ajudou construir o LHC afirma que a principal causa do acidente em 2008 poderia ter sido evitada. “Toda a falha técnica é uma falha humana”, argumenta Lucio Rossi, físico que supervisionou a produção dos ímãs supercondutores do acelerador. Em um paper publicado em 22 de fevereiro, Rossi concluiu que catastrófica falha de uma caixa de ligação entre dois ímãs não foi um acidente bizarro, mas sim resultado de um design pobre e da falta de diagnóstico e garantias de qualidade. “O projeto sofrerá com as conseqüências disso ainda por muitos meses”, diz.lhc_mat

Em 19 de setembro de 2008, semanas antes de o LHC ser programado para começar a colisão dos prótons, curtos elétricos danificaram bastante sua estrutura. Uma conexão entre dois cabos supercondutores desenvolveu pequena resistência, que a aqueceu até que esses cabos, refrigerados por hélio líquido, perderam a capacidade de conduzir a corrente. Milhares dos ampères se espalharam então através da máquina, abrindo um furo em uma lateral e liberando várias toneladas de hélio liquido. A expansão do gás hélio destruiu partes da máquina, sujando de fuligem o foco ultralimpo de raios e soltando os ímãs de seus suportes. Os reparos levaram mais de um ano para ser realizados e o LHC foi reativado com sucesso em novembro.

Uma investigação revelou que os técnicos não tinham soldado corretamente aqueles cabos. “Com dezenas de milhares de conexões, talvez fosse inevitável alguma falha”, relata Rossi. Mas defeitos de projeto agravaram o problema. A solda de prata utilizada derreteu a altas temperaturas e não fluiu facilmente pelas junções do cabo. Além disso, funcionários não verificaram adequadamente se todas as conexões eram eletricamente seguras. E ainda não haviam sido instalados os sensores que detectam circuitos em superaquecimento e poderiam ter ajudado na prevenção desse acidente.

Pior ainda, continua Rossi: quando os fios foram originalmente soldados, a mesma solda de prata foi usada para conectá-los a um estabilizador adjacente de cobre, cuja função era fornecer uma rota de escape para a corrente em alguma eventual falha. Essa decisão trouxe o risco de se reaquecer e destruir a conexão original, diz ele. O problema poderia ter sido evitado se a segunda conexão ao estabilizador fosse feita com um tipo diferente de solda, que tivesse um ponto de derretimento mais baixo. Lyn Evans, que supervisionou o LHC de 1994 a 2009, diz que a essa ideia chegou a ser estudada, mas foi rejeitada porque a solda alternativa continha chumbo – um risco para os trabalhadores.

Uma análise detalhada realizada no último verão europeu detectou várias outras conexões defeituosas. E agora o Cern diz que será necessário um ano para corrigir todos os problemas da máquina. Como resultado, o LHC não funcionará com toda sua energia de colisão – de aproximadamente 14 tera-electronvolts – pelos próximos meses.

Muitos cientistas do LHC envolvidos no problema afirmam que o acidente foi conseqüência natural da construção de máquina tão grande e original. “Pessoalmente acho que ele (Rossi) é um pouco duro consigo mesmo na gestão do tempo”, diz Steve Myers, líder atual do projeto. “Em um projeto tecnicamente complicado e com cronogramas apertados, é quase impossível não ocorrerem erros.”

Mas Jim Strait, físico do Fermilab em Batavia, Illinois, diz que a interpretação de Rossi é basicamente correta. “A conexão entre os ímãs do LHC não é forte o bastante”, diz Strait. “O design parece ter sido planejado para facilitar a instalação”, completa. “Esses estúpidos detalhezinhos de projeto não recebem atenção porque são tediosos.” Apenas a revisão constante dos projetos e uma gestão mais integrada podem evitar que ocorram mais problemas, conclui ele.

Rossi não responsabiliza nenhuma pessoa pelo ocorrido. “Na Itália, costumamos dizer: ‘Chi non fa, non sbaglia’ (quem não faz, não erra). O que nós temos de fazer é aprender com nossos erros e melhorar.”