Gasolina verde

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Por Ivanildo Santos 13 de agosto de 2009

Em abril de 2008, pesquisadores nos Estados Unidos anunciaram a descoberta de um processo capaz de converter açúcares derivados da biomassa de plantas em gasolina e óleo diesel. De acordo com John Regalbuto, o diretor do Programa de Catálise e Biocatálise da National Science Foundation (NSF), essa “gasolina verde” deverá estar disponível no mercado dentro de cinco a sete anos, como alternativa complementar ao etanol.gasolina-verde

Regalbuto apresentou a inovação, financiada pela NSF, nesta segunda-feira (10/8), durante o workshop Tecnologias em biocombustíveis e suas implicações no uso da água e da terra, que está sendo realizado em Atibaia (SP) até o dia 12 de agosto, no âmbito do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (BIOEN).

O evento reúne cientistas do Brasil, Estados Unidos e Argentina com o objetivo de diagnosticar problemas na produção de bioenergia e orientar investimentos de agências de fomento à ciência e tecnologia na busca de soluções em áreas-chave.

Segundo Regalbuto, o processo de produção da “gasolina verde” se baseia em submeter uma pasta aquosa de açúcares e carboidratos vegetais a materiais catalisadores, que aceleram as reações sem se desgastar no processo. Com isso, as moléculas ricas em carbono da biomassa se separam em componentes que se recombinam para formar os mesmos compostos químicos que são obtidos do processamento do petróleo.

“A previsão das empresas que trabalham no desenvolvimento desses hidrocarbonetos de biocombustíveis de nova geração é que a tecnologia estará pronta para licenciamento em 2011. Depois disso, será necessario construir as plantas para produção. Acreditamos que dentro de um período de cinco a sete anos esse produto estará nas bombas de gasolina. É muito menos tempo do se imaginava”, disse Regalbuto à Agência FAPESP.John_Regalbuto_da_National_Science_Foundation

A principal diferença da tecnologia em relação à produção de etanol, segundo Regalbuto, é que o etanol é fermentado a partir de plantas em um processo que utiliza enzimas para desencadear as reações, enquanto a “gasolina verde” utiliza catalisadores.

Esses catalisadores transformam os açúcares presentes na planta em hidrocarbonetos. Se o uso de enzimas permite um processo mais seletivo, dirigido a um tipo especifico de moléculas, os catalisadores, por outro lado, podem operar em altas temperaturas que normalmente destruiriam as enzimas. Isso permite que as reações sejam milhares de vezes mais velozes.

“A produção de hidrocarbonetos a partir de plantas acaba sendo mais eficiente que a de etanol, porque este último exige uma destilação que requer grandes quantidades de energia, enquanto os hidrocarbonetos se separam automaticamente da água”, afirmou.

Escala de produção

Segundo Regalbuto, com o processo as moléculas da biomassa, ricas em carbono, separam-se em componentes diferentes que se recombinam para formar os compostos químicos que são normalmente obtidos do processamento do petróleo.

“O processo parte do açúcar e termina com a produção dos hidrocarbonetos. Mas antes eles passam por uma fase intermediária, na forma de compostos orgânicos que retêm 95% da energia da biomassa e 40% da sua massa, podendo ser transformados em combustíveis de diversos tipos para o setor de transportes”, explicou.

De acordo com o cientista, os principais desafios para o desenvolvimento atualmente se referem à escala de produção. “Neste momento o principal gargalo diz respeito ao aumento da escala. O processo de pirólise, a reforma da fase aquosa e as abordagens industriais já foram todos demonstrados em plantas piloto. Agora, existem os problemas normais de escala. Mas o desenvolvimento está relativamente avançado”, disse.

Para Regalbuto, que é professor do Departamento de Engenharia Química da Universidade de Illinois, a “gasolina verde” não será um concorrente da produção de etanol, mas uma alternativa complementar.

“Para os Estados Unidos, trata-se de um complemento. Temos atualmente toda a infraestrutura voltada para a produção de etanol de milho, que deverá ser usado para ser misturado à gasolina na proporção de 10%. No entanto, para cumprir a Lei de Seguranca Energética, aprovada em 2007 pelo governo norte-americano, será preciso ter à disposição 16 bilhões de galões por ano de derivados de celulose. A partir da lignocelulose, podemos fazer hidrocarbonetos, evitando que tenhamos que ampliar tanto a infraestrutura para o processo de refino do etanol”, disse.

O pesquisador lembrou que existem iniciativas também no Brasil para a produção de diesel a partir da celulose – nesse caso, de cana-de-açúcar. “Mas isso seria igualmente complementar. O Brasil tem toda uma infraestrutura e um desenvolvimento tecnológico avançado para a produção do etanol e não vai desperdiçar o que foi investido nisso. O etanol veio para ficar. Os hidrocarbonetos serão, então, uma opção para algumas indústrias específicas, como a de aviões, caminhões pesados e barcos de grande porte.

Esses setores de transportes pesados deverão necessitar da alta densidade de energia da gasolina mesmo quando energias limpas – como a solar, eólica e todas as bioenergias – estiverem altamente desenvolvidas, segundo ele.

“O Brasil, além disso, com sua produção competitiva de cana-de-açúcar, poderá ter uma opção a mais – isto é, além de produzir etanol, também poderá fazer gasolina e diesel”, disse.

Recordista em energias renováveis

A mesa de abertura do workshop Tecnologias em biocombustíveis e suas implicações no uso da água e da terra teve a participação do diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, do presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Marco Antonio Zago, de Cynthia Singleton, da NSF, e de Ernesto Quiles, do Ministério da Ciência e Tecnologia da Argentina.

Brito Cruz destacou a importância da discussão sobre biocombustíveis para o Brasil, observando que o país se destaca mundialmente por uma singularidade: é o recordista em uso de energias renováveis. “Nenhum outro país industrializado tem 46% de toda a energia utilizada com base em fontes renováveis. A média mundial é de 13% e a dos países da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico] não passa de 6%”, destacou.

Segundo ele, partindo da necessidade urgente de lidar com o aumento do custo de importação do petróleo, no início da década de 1970, o Brasil foi forçado a encontrar alternativas a curto prazo e apostou no etanol. A escolha elevou a produção nacional a mais de 12 bilhões de litros por ano em meados da década de 1980. Depois de um período de incerteza na década de 1990, causado pela instabilidade do fornecimento, em 2003 os carros flex fuel passaram a dominar o mercado e o etanol voltou a ganhar espaço.

“Em 2005, o país já era o segundo maior produtor de etanol do mundo, chegando a 25 bilhões de litros. Hoje, 90% dos veículos vendidos são flex fuel, não há mais gasolina sem mistura no Brasil e 33 mil postos de gasolina, dos 36 mil existentes, vendem etanol. O consumo já ultrapassou o da gasolina. Podemos dizer hoje que o combustível alternativo no Brasil é a gasolina e não o etanol”, disse o diretor científico da FAPESP.

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