Ensino da história e cultura afro-brasileira: pesquisa na África Austral contribui para descolonização de currículo
“A inclusão do conhecimento local nos currículos da África do Sul, de Moçambique, da Tanzânia e do Zimbabwe: possibilidades de fundamentos epistemológicos para o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana no Brasil”. Esse é o título da pesquisa realizada pela professora Kátia Evangelista Regis, do curso de Licenciatura Interdisciplinar em Estudos Africanos e Afro-Brasileiros da Univesidade Federal do Maranhão (LIESAFRO/UFMA).
A pesquisa – financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA) – é realizada na Universidade Púnguè (UniPúnguè) em Moçambique, com trabalhos de campo em países da África Austral.
De acordo com a professora Kátia Regis, para a implementação da Lei nº 10.639/2003, que tornou obrigatório, no Brasil, o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, é fundamental a descolonização dos currículos. “Esse processo pode ser enriquecido a partir da conexão com os debates em países africanos acerca da crítica à hegemonia da lógica eurocentrada, que, historicamente, também fundamentou seus currículos”, afirma a pesquisadora.
Segunda ela, nessa discussão, os conhecimentos locais (em muitos países denominado Indigenous Knowledge Systems – IKS) são percebidos como importantes para serem incorporados nos currículos africanos, a exemplo do Plano Curricular do Ensino Básico (PCEB, 2003) de Moçambique. Ele estabelece que 20% do tempo letivo seja para a lecionação do Currículo Local (CL) e do National Curriculum Statement (NCN, 2002) da África do Sul, no qual um dos seus sete princípios destaca a valorização dos sistemas de conhecimento indígenas. “A compreensão acerca dos desafios e das potencialidades da implementação de políticas curriculares que incorporam os conhecimentos locais na África do Sul, em Moçambique, na Tanzânia e no Zimbabwe podem contribuir para os estudos, no Brasil, sobre História e Cultura Afro-Brasileira e Africana”, destaca Kátia Regis.
O trabalho de investigação, que integra o pós-doutorado da professora Katia Regis, é supervisionada pela professora professora catedrática da Universidade Pedagógica de Maputo (UPM), Emília Nhalevilo. Ela é a primeira mulher a ser reitora de uma universidade pública em Moçambique e figura, atualmente, como uma das cem personalidades africanas mais influentes da África lusófona, segundo dossiê organizado pela African Shapers.
A pesquisa possui, ainda, a cosupervisão da professora titular emérita da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e ex-ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Nilma Lino Gomes. Primeira mulher negra a ser reitora de uma universidade federal no Brasil, foi relatora das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola, 2012.
Até o momento, diversas ações foram realizadas no âmbito do trabalho de campo da pesquisa de pós-doutorado: visitas a escolas de Chimoio (Província de Manica) e de Maputo (Província de Maputo) em Moçambique e em instituições educacionais em Mbombela (Mpumalanga Province) na África do Sul. Foram realizadas, ainda, entrevistas com pesquisadores/as de universidades dos países investigados, com integrantes de instituições govermanentais e com docentes, gestores/as de escolas e membros das comunidades escolares, além da realização de palestras e reuniões institucionais com as administrações centrais da UniPúnguè e da Universidade Pedagógica de Maputo (UPM).
A pesquisadora ressalta que a pesquisa bibliográfica da investigação; o levantamento e a sistematização do arcabouço legal para a incorporação dos conhecimentos locais nos países pesquisados e as ações desenvolvidas no trabalho de campo – numa perspectiva Sul-Sul de diálogo entre conhecimentos e práticas – estão contribuindo para aprofundar as reflexões em torno de fundamentos epistemológicos, para além dos eurocentrados. “Estamos construindo uma articulação com países africanos em toda a sua diversidade, suas lutas, seus desafios e suas potencialidades atuais; o que pode enriquecer, sobremaneira, o processo formativo desenvolvido na LIESAFRO/UFMA, bem como a formação de professores/as da educação básica do estado do Maranhão”, conclui.