Eletroacupuntura: possível arma contra a depressão?
A Organização Mundial da Saúde listou, em 1979, mais de 40 doenças tratáveis pela acupuntura, técnica medicinal milenar, de origem chinesa, hoje reconhecida como especialidade médica em muitos países. A compreensão do mecanismo de ação das agulhas aplicadas em pontos específicos do corpo baseou-se, por milênios, apenas em concepções filosóficas, mas nas últimas décadas houve um aumento significativo do número de pesquisas sobre a técnica, que deram a esta sólido embasamento científico.
Alguns desses estudos abordaram o uso da acupuntura no tratamento da depressão, sem resultados conclusivos. No entanto, trabalho recente de nosso grupo de pesquisa constatou, em ratos, efeitos tipo-antidepressivos da eletroacupuntura. O trabalho mostrou ainda que tais efeitos estão associados aos níveis de serotonina no sistema nervoso central.
A depressão é considerada, nos dias atuais, uma doença potencialmente grave, que atinge parcela expressiva da população mundial. Desânimo, tristeza, insegurança, ansiedade, comprometimento da auto-estima e desmotivação ilustram claramente o impacto da depressão, que afeta em torno de 20% da população mundial e faz parte do grupo das 10 maiores causas de adoecimento e morte em todo o mundo.
As pessoas que sofrem de depressão apresentam, frequentemente, dificuldade de admitir que têm a doença e que precisam de ajuda médica. Assim, estabelece-se um sofrimento tanto para o paciente quanto para as pessoas de seu círculo afetivo, que se sentem incapazes diante dessa situação adversa.
Clinicamente, a depressão pode ser tratada com terapia, com medicamentos ou com a associação desses dois recursos. Embora eficazes em muitos casos, essas estratégias não melhoram de forma significativa o quadro clínico de muitos pacientes. Por outro lado, os medicamentos antidepressivos podem apresentar efeitos colaterais e só iniciam seus efeitos clínicos após algumas semanas de uso. Nesse contexto, fica evidente a grande importância de se pesquisar outras estratégias para o tratamento da depressão, principalmente entre as medicinas complementares, que vêm mostrando efeitos animadores em várias áreas da saúde.
As agulhas como possível opção
A acupuntura é uma forma milenar de tratamento que teve origem na China há mais de 3 mil anos e que tem sido praticada de forma ininterrupta até os dias atuais. Essa técnica, além de ter sua eficácia comprovada clinicamente e de contar com a aceitação popular, vem ganhando reconhecimento no meio científico, em função dos resultados convincentes de grande número de pesquisas, principalmente estudos experimentais com animais de laboratório, que têm desvendado importantes etapas do seu mecanismo de ação.
Uma série de trabalhos descreve que o estímulo de pontos de acupuntura, seja por meio da simples inserção de uma agulha (acupuntura manual) ou pela estimulação elétrica dessas agulhas (eletroacupuntura), é capaz de induzir alterações no funcionamento do sistema nervoso central, modulando a liberação de substâncias específicas (os chamados transmissores). Essas substâncias são fundamentais para as atividades não só do sistema nervoso central, mas de todo o organismo. Os transmissores controlam a condução dos impulsos nervosos e coordenam a função dos órgãos internos (sistemas circulatório, respiratório, digestório, reprodutor e hormonal), além do comportamento psicológico.
Sabe-se que existe uma relação direta da acupuntura com a liberação de neurotransmissores, entre eles os opióides (encefalina, endorfinas, dinorfina), a bradicinina, a serotonina, a adrenalina, a noradrenalina e outros. Na depressão, embora ocorra alteração nos níveis de várias dessas substâncias, a serotonina tem recebido, sem dúvida, maior atenção: grande parte dos medicamentos antidepressivos atua por meio da modulação, direta ou indireta, do sistema serotoninérgico – o complexo sistema neuroquímico ativado pela serotonina.
Embora existam na literatura científica alguns trabalhos sobre os efeitos da acupuntura na depressão, a maioria deles foi realizada em seres humanos (pesquisas clínicas). Nessas condições, questões éticas limitam bastante uma investigação mais acurada do mecanismo de ação da acupuntura, capaz de conferir sustentabilidade aos resultados. Além disso, as pesquisas clínicas em acupuntura, por dificuldades metodológicas, não incluem grupos-controle adequados, que permitam investigar todas as possibilidades envolvidas. Esses problemas, infelizmente, costumam comprometer a qualidade dos estudos publicados, de modo que o tema ‘acupuntura versus depressão’ ainda é controverso na literatura científica.