Dupla infecção

hpv15
Por Ivanildo Santos 11 de março de 2010

Ao examinar homens infectados com HIV-1 (um dos vírus da imunodeficiência humana, causador da Aids), pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) detectaram que cerca de 30% dos pacientes apresentaram resultado positivo para HPV-16 (papilomavírus humano), responsável por cerca de 80% dos casos de câncer cervical nas mulheres.

O objetivo do estudo, publicado no Journal of Medical Virology, foi determinar a prevalência de HPV dos tipos 16, 18, 6 e 11 em amostras de urina de homens infectados pelo HIV-1. Existem mais de 200 tipos diferentes de vírus de HPV, que são classificados como de baixo e de alto risco de causar câncer.

“O que mais chama hpv15a atenção no estudo foi a identificação de uma alta prevalência em homens, que normalmente não apresentam os sintomas. E o mais preocupante é que quase um terço deles – 31,9% – apresentaram resultado positivo para o HPV-16”, disse Jorge Simão do Rosário Casseb, professor do Instituto de Medicina Tropical da FMUSP.

O estudo, intitulado “Avaliação da diversidade genética da região longa de controle (LCR) e L1 dos tipos 6,11,16 e 18 do vírus papilomavirus humano (HPV) em homens infectados pelo HIV-1”, teve apoio da FAPESP na modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular.

O trabalho investigou 223 homens, entre março de 2006 e abril de 2008, infectados pelo HIV-1 e que foram atendidos no Serviço de Doenças Sexualmente Transmissíveis do Departamento de Dermatologia do Hospital das Clínicas da FMUSP e no Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids.

Do total, 81% dos pacientes usavam o coquetel anti-Aids baseado no antirretroviral HAART (Highly Active AntiRetroviral Treatment, em inglês). Para a análise, foi utilizada a urina dos pacientes. Casseb destaca que o método de análise a partir da urina é um dos resultados importantes do estudo.

“Como os pacientes não apresentavam lesões nos genitais, a urina se mostrou um exame útil e confiável para a detecção de HPV. É de fácil obtenção por não ser uma técnica invasiva e também pode ser estendido às mulheres”, diz Casseb.

Os resultados do estudo indicam que 18 pacientes (26,5%) apresentaram o DNA para o HPV-11, quatro (5,8%) para o HPV-6, cinco (7,2%) para o HPV-18 e 20 pacientes (29%) apresentaram DNA de algum tipo de HPV que não estavam nos objetivos propostos da pesquisa. Os HPVs 6 e 11 estão relacionados a verrugas benignas.

Um dos achados aponta que os pacientes coinfectados (HIV/HPV) apresentaram carga viral menor em relação aos que foram contaminados somente com HIV. Ou seja, com o uso da HAART, muitos pacientes apresentavam alto número de células TCD4+ e baixa carga viral de HIV.

Os pesquisadores não chegaram a uma conclusão sobre esse achado. “Esse dado poderia ser confirmado com uma diferença estatística significativa em relação ao uso de antirretrovirais, mas não houve dados conclusivos em relação a isso”, disse Casseb.

Ele conta que o grupo pretende ampliar o estudo para avaliar esse dado específico. Uma das hipóteses, segundo ele, é que nos pacientes coinfectados que apresentaram significativa carga viral menor em relação àqueles que não estavam infectados pelo HPV “o resultado pode indicar que o grupo apresentava maior adesão ao tratamento com coquetel e, consequentemente, melhor qualidade de vida”.

Atualmente, existem duas vacinas que imunizam contra os vírus 6, 11, 16 e 18 e cuja eficácia, segundo Casseb, é de 99%.

Homens e mulheres

Os homens são um importante reservatório de HPV e os principais responsáveis pela transmissão às suas parceiras. Mas os sintomas da doença no público masculino são, na maioria dos casos, assintomáticos.

A grande maioria dos participantes na pesquisa era homossexual. “Os coinfectados relataram não usar sempre o preservativo na relação oral como ativo, que é a forma mais recorrente de transmissão nesse grupo”, disse Casseb.

O risco de desenvolver câncer, segundo ele, atinge tanto homens como mulheres, mas elas são mais suscetíveis e podem desenvolver tumores malignos na região genital ou, mais raramente, na boca e no nariz.

“No caso dos homens, não sabemos ainda o local onde há o risco, se na bexiga ou em outra parte do trato urinário. Mas um dado interessante é que somente em homossexuais masculinos que têm HIV há uma incidência maior de câncer no pênis e no ânus”, contou.

Assim como nas mulheres, que fazem prevenção por meio do exame de Papanicolau para detectar o HPV, já existem estudos que defendem que homens com perfil que possa ser considerado de risco façam um exame parecido, no caso, no ânus.

“Em São Francisco e em Nova York, nos Estados Unidos, há alguns estudos que indicam que o Papanicolau para os homens pode ser útil na detecção do HPV”, disse Casseb.

O professor da FMUSP conta que o estudo terá continuidade. A ideia é repetir o exame já realizado nos mesmo pacientes por quatro meses, para poder avaliar se o vírus está presente ou não na urina.

“Os próximos passos serão a realização de exames imunológicos com os portadores de HPV/HIV e comparar com os não portadores para avaliar se têm uma resposta imunológica diferente”, disse. Outra frente, segundo Casseb, pretende investigar se esses homens estão disseminando os vírus de outra forma, que não somente pela relação sexual.

O pesquisador destaca que uma das questões que o estudo traz como novidade é a possibilidade de analisar o HPV em mulheres por meio da urina. “Como não é um método invasivo, poderíamos utilizá-lo futuramente como exame adicional. Mas isso não fez parte de nosso estudo”, disse.

O artigo Prevalence of human papillomaviruses in urine samples of male patients infected with HIV-1 in Sao Paulo, de Jorge Casseb e outros, pode ser lido em www.interscience.wiley.com/cgi-bin/fulltext/122662787/PDFSTART.