Desconhecidas e já ameaçadas
O Brasil tem a mais diversificada fauna de espécies de aranhas caranguejeiras, mas boa parte delas ainda não foi catalogada. Um novo estudo publicado na revista Zootaxa descreve duas novas espécies dessas aranhas: a Avicularia sooretama, coletada no Espírito Santo, e a Avicularia gamba, no sul da Bahia. Além disso, o estudo redescreveu a descrição da Avicularia diversipes, que havia sido feita originalmente em 1842.
Mas, para surpresa dos pesquisadores, a Avicularia diversipes e a Avicularia sooretama, embora ainda não estivessem descritas, já eram objeto de comercialização ilegal na Europa.
O objetivo do estudo foi revisar espécies importantes de aranhas caranguejeiras encontradas no bioma da Mata Atlântica. De acordo com um dos autores do artigo, Rogério Bertani, pesquisador do Instituto Butantan, vinculado à Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, existem poucos grupos no país pesquisando essas espécies, que são muito parecidas.
“Atualmente, a identificação de espécies de aranha caranguejeira é muito complicada, porque faltam trabalhos que revisem a literatura e comparem material recentemente coletado com espécies descritas há mais de 100 anos”, disse à Agência FAPES.
Bertani coordenou o projeto “Sistemática e zoogeografia de aranhas terafosideas neotropicias (Aranea, mygalomorphae, theraphosidae), conduzido com apoio da FAPESP na modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular e concluído este ano.
Segundo o pesquisador, as Avicularias são espécies arborícolas, ou seja, são encontradas principalmente em galhos e troncos de árvores, e são mais comuns na Amazônia. “Mas a Mata Atlântica tem uma fauna interessante e diversa que até agora foi pouco estudada”, disse.
O estudo constatou que a espécie Avicularia diversipes , descrita em 1842, tem uma distribuição geográfica restrita ao sul da Bahia. A A. diversipes era conhecida até então, segundo Bertani, por dois exemplares que estão no Museu de Berlim, na Alemanha, em mau estado de conservação depois de 150 anos.
“Havia apenas dois ou três parágrafos de uma descrição que não permitia identificar o animal. A genitália que é usada na identificação não foi ilustrada porque então não se dava importância para isso. Na época, não se tinha uma dimensão da quantidade de espécies que existiam”, explicou.
Segundo Bertani, detalhes como esse precisam ser incluídos na descrição para que os animais possam ser diferenciados. “Refizemos a descrição acrescentando novas características, incluindo aspectos internos como genitálias. Descrevemos também o macho, que não era conhecido e apresentamos a distribuição geográfica dessa espécie, mostrando que sua presença se dá em uma área bastante limitada”, disse.
A A. diversipes, segundo o pesquisador, espalha-se por uma faixa de cerca de 60 quilômetros por uma extensão de aproximadamente 250 quilômetros, desde Elísio Medrato (BA) até Jussari (BA).
O artigo publicado na Zootaxa é de autoria de Bertani e Caroline Sayuri Fukushima, que faz o doutorado no Butantan com orientação de Paulo Nogueira-Neto, professor emérito da Universidade de São Paulo, co-orientação de Bertani, e apoio da FAPESP na modalidade Bolsa de Doutorado.
Comércio ilegal
A Avicularia sooretama tem seu nome derivado da Reserva Biológica de Sooretama, no extremo norte capixaba. Segundo o estudo, essa espécie ocupa uma faixa de cerca de 100 quilômetros de largura, estendendo-se por áreas florestais que vão de Una, no sul da Bahia, até Itatiaia, no sul do Rio de Janeiro – localidades que estão afastadas por cerca de mil quilômetros.
A terceira espécie descoberta, a Avicularia gamba, de acordo com Bertani, não tem registros em nenhum outro lugar além do sul da Bahia. Mas para surpresa dos pesquisadores, as espécies raras ou ainda desconhecidas pela ciência já são comercializadas ilegalmente.
“Levamos um susto, porque enquanto estávamos escrevendo o artigo recebemos um e-mail com fotos que comprovavam a existência do comércio desses animais na Europa”, disse.
Segundo ele, ao fazer um mapeamento na internet, o grupo conseguiu datar a entrada dessas espécies na Europa. “Começaram a ser levadas para lá mais ou menos no fim de 2006 ou início do ano seguinte. Em 2008, o comércio da Avicularia diversipes já estava espalhado por oito países da Europa”, afirmou.
“O mais assustador é que se trata de uma espécie encontrada em uma região restrita e eles não apenas tiveram acesso a ela, mas já puderam estabelecer um comércio de escala internacional, antes que pudéssemos terminar de redescrevê-la”, disse.
Com o estudo publicado, os pesquisadores pretendem apresentar aos órgãos de fiscalização ambiental proposta para que essas espécies passem a integrar listas de animais ameaçados. “Seriam as primeiras espécies de aranhas caranguejeiras do Brasil nessas listas”, disse.
Para ler o artigo Description of two new species of Avicularia Lamarck 1818 and redescription of Avicularia diversipes (C.L. Koch 1842) (Araneae, Theraphosidae, Aviculariinae) – three possibly threatened Brazilian species, de Rogério Bertani e Caroline Sayuri Fukushima clique aqui.