De olho na segunda onda
Passado o inverno, pesquisadores do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) fizeram o primeiro mapeamento de pacientes internados com gripe pelo vírus influenza A (H1N1).
O objetivo do estudo, publicado na revista Clinics, foi descrever as características epidemiológicas dessa gripe no HC durante o período de pandemia deste ano.
De 16 de junho a 16 de setembro, o hospital confirmou 472 casos de pacientes infectados pelo H1N1, com 210 internações e 16 mortes. O Estado de São Paulo concentrou cerca de 40% do total de infectados no país, com 3.733. O número de óbitos no Brasil devido à doença, até 16 de setembro, foi 699.
De acordo com a infectologista Anna Sara Shafferman Levin, uma das autoras do artigo, esse é o segundo trabalho publicado pelo grupo de pesquisadores do HC desde o início da epidemia. O primeiro artigo descreve os protocolos de manejo, como triagem, manejo da infecção em grávidas, particularidades da terapia intensiva desses pacientes e outros procedimentos.
“Esse segundo artigo dá uma dimensão do que ocorreu, com a ideia de transformar a experiência em algo que pudesse ser utilizado. Foi a primeira onda dessa gripe e não sabemos ainda qual o impacto dela para o inverno de 2010, sobretudo porque será a primeira experiência com vacinação para conter a epidemia do vírus H1N1”.
Anna coordenou o projeto “Avaliação e controle da disseminação de Staphylococcus aureus resistente a oxacilina em Serviço de Dermatologia do Hospital das Clínicas”, que teve apoio da FAPESP na modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular.
Segundo a professora do Departamento de Doenças Infecciosas do HC, como a gripe é praticamente desconhecida “imunologicamente” na população e é sazonal, todos os centros de referência de São Paulo e no país precisam se preparar para o próximo inverno, esperando o que os especialistas chamam de “segunda onda”.
“Fora de períodos de epidemia de gripe, geralmente existe uma parcela da população que já teve contato com a gripe e que não será infectada, e uma outra que tomará a vacina. O problema do novo vírus influenza é que praticamente toda a população é suscetível ao vírus. Ou seja, quase não há pessoas imunes na população”, explicou.
Na história natural das epidemias de gripe ocorre um número grande de pessoas contaminadas na primeira estação de gripe, que é o inverno. No inverno seguinte ocorre a “segunda onda”, que é um comportamento natural.
Segundo Anna, pode haver uma onda mais forte que a primeira. “Para impedi-la precisaríamos vacinar próximo a 100% das pessoas suscetíveis, porque assim haveria redução da circulação do vírus e controle da epidemia”, disse.
Quando se vacina uma porcentagem da população, o vírus reduz a sua circulação. “Foi assim com a varíola. Não se sabe qual a proporção de pessoas que se precisa vacinar contra a nova gripe para que o número de suscetíveis seja pequeno o suficiente para reduzir a circulação do vírus. Assim, as pessoas que não foram vacinadas também ficariam protegidas”, indicou.
O estudo verificou que os pacientes atendidos apresentavam um quadro com síndrome respiratória aguda grave. Mais da metade era jovem (média de 29 anos) e mulheres, o que confirma também a média nacional em que 57,5% dos casos ocorreram com as mulheres.
A maioria dos pacientes (85,5%) apresentou pelo menos um fator de risco como imunossupressão (15,6%), doença respiratória (14,3%) e doença cardiovascular (12,3%).
De acordo com Anna, no caso de outras epidemias um dos grupos mais suscetíveis é o dos idosos. Mas, no caso do H1N1, eles não foram o grupo mais afetado.
“Ainda não há uma explicação definitiva para isso, existem algumas hipóteses. Uma – que já caiu por terra – seria porque os idosos já estariam protegidos parcialmente porque tomam vacinas. Mas não é isso. É possível que eles tivessem tido um contato, nas décadas de 1950 ou 1960, com algum vírus parecido. Mas isso também é só uma hipótese”, indicou.
Vacinação de adultos
Há previsão de que parte da população brasileira comece a tomar a vacina contra o H1N1 no início do próximo ano. Mas até agora não se sabe ao certo qual o percentual da população que precisa ser vacinado. “Acompanharemos o que está ocorrendo na América do Norte e na Europa, nos quais a vacina está sendo aplicada. Poderemos verificar quais estratégias funcionarão e quais não. O Brasil pode se beneficiar com essas experiências”, disse.
Apesar da experiência em outros países, existem características que complicam um pouco mais a situação brasileira em relação à vacinação, segundo Denise Schout, do Departamento de Medicina Preventiva do HC e primeira autora do artigo.
“Temos um volume de pessoas a serem vacinadas que não é pequeno. Do ponto de vista da organização de vacinação isso também é um grande desafio. Para dar a cobertura adequada, precisamos rapidamente nos organizar para agir de forma muito eficiente. Temos muita experiência, mas na vacinação de crianças, não tanto na vacinação de adultos. Isso é sempre um desafio maior para os grupos de risco”, disse.
Denise destaca que o diagnóstico laboratorial realizado no próprio HC diminuiu o tempo de permanência desses pacientes nos hospitais. Ou seja, a agilidade no diagnóstico resultou em menor tempo de internação e, consequentemente, em menor número de óbitos.
“Outro ponto importante foi o apoio da farmácia do HC à distribuição de medicamentos para crianças. Por conta disso, não tivemos nenhum óbito em criança na fase aguda da epidemia”, ressaltou.
Para ler o artigo Epidemiology of human infection with the novel virus influenza A (H1H1) in the Hospital das Clínicas, São Paulo, Brazil – june-september 2009, disponível na biblioteca on-line SciELO (Bireme/FAPESP), clique aqui.