Computação e biologia molecular para investigar alvos terapêuticos no T. cruzi
O metabolismo do Trypanosoma cruzi, protozoário causador da doença de Chagas, é o foco de um estudo que busca novos alvos terapêuticos com base em técnicas de bioinformática e de genômica funcional. Estudo publicado na revista Memórias do Instituto Oswaldo Cruz apresenta resultados de experimentos realizados in silico (feitos em computadores por meio da bioinformática – técnica que une ciência computacional e biologia molecular) e feitos por pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) em parceria com o Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC) do Ministério da Ciência e Tecnologia.
“Os medicamentos utilizados hoje para tratamento da doença de Chagas foram desenvolvidos nas décadas de 60 e 70. Eles podem provocar reações colaterais e dar origem à resistência, daí a importância de se investigar a possibilidade de se desenvolverem novas drogas”, afirma o pesquisador do Laboratório de Genômica Funcional e Bioinformática do IOC Marcelo Alves Ferreira, um dos autores do artigo. Segundo ele, o estudo, feito tendo em vista uma abordagem de desenvolvimento racional de novas drogas, é uma etapa inicial para a prospecção de novos medicamentos. “Neste processo, buscam-se alvos biológicos, no caso, enzimas ou proteínas, e investigamos substâncias que possam ter efeitos nesses alvos, agindo de modo a ‘desativar’ o agente patogênico”, explica.
De acordo com o pesquisador, o metabolismo energético do protozoário foi escolhido como foco da investigação porque qualquer célula precisa produzir energia em forma de ATP (adenosina trifosfato). “Descobrir uma forma de agir sobre o metabolismo do microorganismo já seria eficiente”, completa. A ferramenta computacional utilizada no estudo foi o Analogous Enzyme Pipeline (AnEnPi), sistema desenvolvido no próprio laboratório do IOC para identificar enzimas análogas (que desempenham as mesmas funções, mas possuem estruturas moleculares diferentes) com potencial para serem alvos terapêuticos. Os pesquisadores investigaram o metabolismo intermediário do T. cruzi (via glicolítica, ciclo de Krebs, fosforilação oxidativa) e fizeram uma revisão geral em outros metabolismos, como o de lipídios e poliamina.
O artigo alerta que, além da importância de se identificarem enzimas análogas entre os seres humanos e os parasitas como possíveis alvos terapêuticos, a identificação de enzimas com estruturas diferentes e atividades enzimáticas iguais pode revelar novos mecanismos catalíticos e esclarecer sobre a origem e evolução de sistemas e processos bioquímicos. “Além da possibilidade de uma nova forma de ação terapêutica, esse estudo é importante para a geração de novos conhecimentos sobre o metabolismo desses organismos, pois muitas de suas vias metabólicas ainda não foram nem estudadas”, conclui Ferreira.
Este estudo é resultado de um projeto mais amplo que também conta com a colaboração de pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), além do IOC/Fiocruz e do LNCC, e com o financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).