Como testar o Paradoxo dos Gêmeos sem uma espaçonave
Esqueça os cremes anti-idade e as tinturas de cabelo. Se você quiser manter-se jovem, o melhor que pode fazer é conseguir uma espaçonave superveloz. Esse é o conselho que o mais jovial dos velhos físicos, Albert Einstein (1879-1955), dá em sua Teoria da Relatividade. É o chamado Paradoxo dos Gêmeos.
Pra quem (ainda) não conhece, o Paradoxo dos Gêmeos é simples. Imagine dois irmãos gêmeos, absolutamente idênticos em tudo, mas com uma diferença — um deles tem uma tal espaçonave superveloz, capaz de voar a velocidades próximas à da luz. Enquanto um gêmeo fica de pés bem firmes aqui na Terra, outro vai e volta em sua espaçonave superveloz até uma estrela mais ou menos distante.
Quando se encontram novamente, depois de algumas décadas, o gêmeo terráqueo vai parecer muito mais velho que seu irmão astronáutico. Não é questão de aparências, o terráqueo realmente vai ter envelhecido mais. Isso aconteceria por causa de algo que Einstein chamava de dilatação temporal. Quanto mais acelerado for um relógio (inclusive um biológico), mais devagar o tempo vai passar pra ele. Ou, em termos mais rigorosos, relógios sob diferentes acelerações medem o tempo de maneiras diferentes.
De Gêmeos a GPS
Por mais contra-intuitiva que seja, essa tal de dilatação temporal tem sido observada em laboratório e acontece rotineiramente com os satélites do GPS. Basicamente, o GPS localiza sua posição no espaço ao sincronizar de maneira bem precisa os sinais emitidos pelos satélites do sistema. Embora não cheguem nem perto da velocidade da luz, os satélites do GPS são velozes o bastante para sofrer alguma dilatação temporal. Ao fazer seus cálculos, o sistema tem que levar em conta as diferentes acelerações dos satélites envolvidos. Mesmo assim, embora seja preciso, o GPS pode errar alguns metros ao localizar seu smartphone.
Essa precisão poderia ser ainda mais aperfeiçoada se os tais satélites usarem os mais precisos relógios da Terra — os relógios quânticos, assim chamados por serem regulados pelas leis da mecânica quântica. Embora haja planos de satélites de geolocalização com relógios quânticos, não vai ser tão simples usá-los. Um sistema de GPS baseado em relógios desse tipo também precisaria levar em conta os efeitos relativísticos. Entretanto, ninguém sabe como combinar mecânica quântica com relatividade — a unificação de ambas as teorias é o maior desafio da física moderna.
Sopa de Vácuo com tempero quântico
Boa parte do imenso trabalho de unificação tem sido feito teorica e matematicamente, mas um fenômeno conhecido desde os anos 1970 pode ser a chave para a unificação — ou pelo menos para um GPS mais preciso. O fenômeno é o Efeito Casimir Dinâmico, considerado quântico e relativístico ao mesmo tempo. Foi somente em 2011 que se descobriu um protocolo experimental para estudar esse fenômeno.
A teoria do Efeito Casimir Dinâmico (ECD) é mais ou menos assim: se a luz é aprisionada entre espelhos paralelos que se movem a velocidades próximas da luz, os espelhos vão gerar mais luz do que há no sistema. O ECD, portanto, é tão paradoxal quanto o problema dos gêmeos. Mesmo que não houvesse luz alguma — ou um vácuo — entre os espelhos supervelozes, apareceria uma luz porque os espelhos transformariam o vácuo quântico em partículas.
Em nível quântico, o vácuo mais perfeito não é um vazio absoluto mas algo como uma sopa de pares de partícula-antipartícula que estão sempre emitindo e absorvendo luz. Isso tudo, claro, acontece numa velocidade tremenda e não podemos perceber essa sopa espumante de criação-aniquilação. A menos que tenhamos espelhos quase tão velozes quanto a luz. Nesse caso, algumas das partículas de luz seriam refletidas pelo espelho antes de desaparecer, o que poderia ser observável. Evidentemente, ninguém tem uma espaçonave superveloz equipada com espelhos igualmente supervelozes.
Relógios especulares e outras especulações
É aqui que entra o ano de 2011, quando Per Delsing conduziu um experimento na Chalmers University of Technology [Universidade Tecnológica Chalmers], na Suécia. Na falta de espelhos supervelozes, Delsing usou campos magnéticos que se comportavam exatamente como espelhos dentro de um equipamento chamado Superconducting Quantum Interferometric Device (SQUID). Ao contrário dos espelhos, esses campos magnéticos podiam ser movidos a velocidades incríveis (e, como não quebram, não dão sete anos de azar). Embora ainda não tenha sido replicado, esse pode ser o primeiro experimento a observar o Efeito Casimir Dinâmico.
Em um trabalho publicado no último dia de 2013 no arXiv.org, Delsing e seus colegas da Chalmers University, University of Nottingham e University of Warsaw propõem um protocolo experimental similar ao de 2011 para testar diferentes aspectos do paradoxo dos gêmeos através de um sistema físico, coisa que ainda não foi tentada. Mesmo sem o envolvimento de gêmeos humanos, a possibilidade de alcançar enormes velocidades e acelerações permite a observação da dilatação temporal a uma distância muito pequena.
Outros experimentos que envolvem a teoria da relatividade tem usado relógios atômicos, que são “pontuais” — não porque são precisos, mas porque a medição do tempo em relógios atômicos está confinada a um ponto minúsculo do espaço. A experiência proposta por Delsing et. al. usaria algo que tem um comprimento finito — algo unidimensional e macroscópico, como o par de espelhos (ainda que sejam espelhos magnéticos). Isso é importante, segundo os cientistas, porque a teoria einsteiniana prevê que, com o tempo, o comprimento de um objeto também vai mudar.
Além de confirmar mais uma vez que a dilatação temporal ocorre, o experimento proposto pelos autores poderia ter aplicações interessantes, tanto do ponto de vista teórico quanto prático. No lado teórico, o experimento de Delsing et al. poderia ajudar na compreensão das inter-relações entre efeitos quânticos e relativísticos. Na prática, poderia levar a melhores relógios quânticos — e a um sistema de GPS ainda mais preciso.
E, quem sabe, pode até nos ajudar a construir espaçonaves supervelozes, capazes de testar o paradoxo dos gêmeos com gêmeos de verdade.