Baixa autoestima leva catadores de material reciclável a descuidarem da saúde

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Por Ivanildo Santos 12 de fevereiro de 2010

Todos os dias uma multidão de catadores de materiais recicláveis se espalha pelas ruas do Recife, numa jornada de trabalho de, em média, dez horas diárias, em condições insalubres e precárias. Embora sejam muitos e circulem por lugares públicos, esses trabalhadores costumam ser ignorados pela sociedade. Como consequência desta “invisibilidade pública”, essas pessoas, na sua maioria, têm uma autoestima muito baixa, o que as tornam vulneráveis diante dos riscos ambientais à sua saúde. Esta é a conclusão a que chegou o estudo desenvolvido pela bióloga Jandira Aureliano de Araújo no mestrado em saúde pública da Fiocruz Pernambuco.

Na pesquisa, Jandira investigou as percepções e atitudes diante dos riscos ambientais à saúde de catadorfpe_catadores de materiais recicláveis da comunidade de São José do Coque, no Recife. O estudo mostrou que, embora os catadores percebam os riscos aos quais estão expostos por conta do seu trabalho, eles quase não tomam atitudes preventivas. “Eles não utilizam nenhum equipamento de proteção individual (EPI) porque não têm dinheiro para comprá-los e porque os acham desconfortáveis. Alguns ainda atribuem a responsabilidade de aquisição dos EPIs à prefeitura”, explica Jandira.

Segundo mestranda, é comum os catadores minimizarem, naturalizarem e até negarem os riscos à saúde. “Eles os consideram inerentes ao trabalho. Para eles o risco de morrer de fome é maior”, sentenciou. O grupo investigado percebe a saúde como disposição para o trabalho, bom relacionamento social, liberdade de decisão e ausência de doença.

Na comunidade estudada, 124 pessoas trabalhavam como catadores. O turno de trabalho costuma começar no início da tarde (14h), quando eles separam o material recolhido na noite e na madrugada anterior. Eles percorrem longas distâncias, pois costumam recolher o lixo tanto nas ruas do Centro da cidade, quanto em bairros próximos, puxando de 200 a 300 quilos de material. O esforço físico para a condução das carroças é um grande motivo de queixas relativas à saúde, causando problemas nas pernas, hérnia e dores nas costas.

Com a venda do material coletado – por um quilo de papelão recebem de R$ 0,10 a R$ 0,15 – os catadores ganham de R$ 30 a R$ 50 por semana. A relação de trabalho com os donos de depósito que compram o material coletado é considerada como exploratória pelos catadores e gera um alto grau de insatisfação desses trabalhadores, influindo diretamente em sua saúde mental, uma vez que causa revolta, constrangimento e depressão.

Mesmo os catadores não percebendo ou fazendo vistas grossas aos riscos iminentes à saúde, advindos da atividade que desempenham, eles são evidentes. Além dos já citados, acidentes de trânsito e com objetos perfuro-cortantes também são bastante comuns. Segundo a pesquisadora, a maioria dos catadores, diz ter cuidado ao abrir as embalagens, no entanto, na pesquisa de campo não foi isso que ela observou. “Eles não costumam ser precavidos. Abrem a embalagem de qualquer jeito”, disse Jandira. Inclusive, é comum encontrar lixo hospitalar entre os entulhos. Já os acidentes de trânsito, para eles, são o grande vilão, sendo visto como o maior risco ocupacional da categoria. “Eles os veem como mais uma forma de desrespeito e desvalorização a sua condição de trabalhador”, explicou. Um dos catadores contou que, certa vez, um motorista abriu a porta do carro e deu uma pancada na sua mão e esta ficou bastante inchada. No entanto, a preocupação do motorista era ter amassado o carro, ignorando o machucado do catador.

Recém-aprovada no doutorado em saúde pública da Fiocruz Pernambuco, Jandira pretende investigar a atuação do Programa de Saúde Ambiental da Prefeitura do Recife nas comunidades mais insalubres do Distrito Sanitário 1, área na qual fica a comunidade do São José do Coque.