Aedes aegypti infectado com vírus chikungunya é identificado em Aracaju
Um grupo de cientistas identificou pela primeira vez no Brasil, em Aracaju (SE), um mosquito da espécie Aedes aegypti infectado naturalmente pelo vírus causador da febre chikungunya. O relato foi publicado na revista PLoS Neglected Tropical Diseases.
Segundo os autores, a descoberta reforça o rol de evidências de que o Aedes aegypti foi o principal vetor envolvido nos surtos da doença registrados em 2015 e 2016, principalmente no Nordeste brasileiro.
Segundo dados do Ministério da Saúde, até dezembro de 2016, tinham sido registrados mais de 265 mil casos prováveis de febre chikungunya no país. Em 2015, foram notificados quase 40 mil casos suspeitos. Apesar do alto número, nenhum inseto infectado havia sido detectado.
“Até então, em todo o continente americano, havia apenas uma única descrição de Aedes aegypti infectado pelo genótipo asiático do vírus chikungunya feita no México. O inseto que identificamos em Aracaju apresentava o genótipo ECSA [Leste-Centro-Sul-Africano, na sigla em inglês]. Essas duas linhagens já foram encontradas em pacientes no Brasil”, disse André Luis Costa-da-Silva, pós-doutorando do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP) e primeiro autor do artigo.
A pesquisa foi feita no âmbito da Rede de Pesquisa sobre Zika Vírus em São Paulo (Rede Zika), apoiada pela FAPESP, sob a coordenação de Margareth Capurro, professora do ICB-USP.
A coleta dos insetos foi realizada em fevereiro de 2016 em seis bairros de Aracaju onde havia um grande número de pessoas com sintomas característicos de arboviroses (doenças transmitidas por artrópodes), como febre alta e dor no corpo. A identificação dos locais estratégicos foi feita por meio de colaboração com pesquisadores do Laboratório Central de Saúde Pública de Sergipe (Lacen-SE), auxiliados por uma equipe do Ministério da Saúde. Outros pesquisadores da USP e do Instituto Butantan também participaram dessa tarefa multidisciplinar em Aracaju.
As análises tiveram como foco os três principais arbovírus em circulação na época: dengue, Zika e chikungunya.
“Os mosquitos foram capturados vivos, por aspiração, tanto no interior como ao redor das residências. Cada casa tinha seu respectivo pote de coleta. Em laboratório, os insetos foram separados por espécie e por sexo. As fêmeas foram subdivididas entre as que estavam com abdome ingurgitado [sinal de que haviam se alimentado de sangue recentemente] e as que não estavam. Depois todos foram congelados e enviados para serem analisados em São Paulo”, contou Costa-da-Silva.
Ao todo, foram coletados 194 mosquitos da espécie Culex quinquefasciatus, mais conhecida como pernilongo comum. Em segundo lugar veio o Aedes aegypti, com 50 indivíduos. Outras duas espécies do gênero Aedes também foram capturadas: o A. scapularis (dois indivíduos) e o A. taeniorhynchus (também dois espécimes).
No laboratório coordenado por Capurro, na USP, o material genético presente nos corpos dos insetos foi analisado por uma técnica conhecida como PCR (reação em cadeia da polimerase, na sigla em inglês) em tempo real. O sequenciamento e a análise de genótipo viral foram realizados, respectivamente, em parceria com colaboradores americanos e pesquisadores do Laboratório de Evolução Molecular e Bioinformática, chefiado pelo professor Paolo Zanotto.
No caso dos mosquitos machos, todo o RNA presente no corpo do inseto foi avaliado de uma só vez. Já no caso das fêmeas, para evitar um resultado falso positivo, foi feita uma análise mais detalhada, usando apenas o RNA extraído da região do tórax, onde se encontram as glândulas salivares.
“Tivemos esse cuidado porque pode acontecer de as fêmeas se alimentarem de sangue contaminado, mas a infecção não estar estabelecida no inseto. Nesse caso, se analisarmos todo o RNA presente no corpo do mosquito, o vírus será detectado”, explicou Costa-da-Silva.
Entre os 248 mosquitos avaliados, nenhum estava infectado com os patógenos causadores da dengue ou da Zika. Apenas uma fêmea da espécie Aedes aegypti apresentou o vírus da febre chikungunya.
“Pode parecer pouco, mas uma fêmea infectada em um grupo de 50 é um índice considerado alto. Sugere uma alta circulação viral e, possivelmente, uma epidemia em curso”, disse Costa-da-Silva.
Zika
Na avaliação de Capurro, não foram encontrados nesse estudo insetos infectados com o vírus Zika porque o auge da epidemia causada por esse patógeno no Nordeste já havia passado quando foi feita a coleta. A explosão dos casos teve início em outubro de 2015.
“A equipe estava preparada para ir imediatamente. O financiamento foi aprovado prontamente pela FAPESP. O que demorou foi a negociação com as Secretarias de Saúde estaduais para obter autorização para as coletas. Mesmo com a demora, conseguimos mostrar algo que ninguém ainda havia confirmado no Brasil”, disse a pesquisadora.
Capurro lembrou que, na época em que os casos de Zika e chikungunya começaram a aumentar, havia a suspeita de que o pernilongo comum também poderia estar contribuindo para a disseminação dessas doenças – o que nenhum estudo ainda conseguiu comprovar.
“Ter a certeza sobre qual é o vetor envolvido em uma epidemia é algo que impacta diretamente as medidas de controle, pois para cada espécie de mosquito os protocolos são completamente diferentes. Embora seja muito importante esse tipo de conhecimento, quase todo o investimento em pesquisa relacionado ao Zika foi para o desenvolvimento de vacinas e métodos de diagnóstico. Não está havendo investimento para programas-piloto de controle de mosquitos”, lamentou.
Segundo Costa-da-Silva, o grupo pretende conduzir coletas e análises similares às descritas neste estudo na região Sudeste focando a detecção do vírus Zika. “Esse trabalho ainda não foi feito porque não foram identificadas áreas promissoras para a coleta, onde exista um grande número de pessoas com sintomas”, afirmou.