Floresta pode estar absorvendo menos carbono que o estimado
A floresta amazônica, conhecida mundialmente como sendo responsável pela absorção de grandes quantidades de carbono da atmosfera, pode estar executando a tarefa em escala bem menor do que acredita boa parte da comunidade científica internacional. A constatação é do pesquisador Júlio Tota, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCT) e do Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA).
De acordo com o pesquisador, que defendeu a afirmação como tese de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Clima e Ambiente na manhã desta segunda-feira (26), o resultado partiu de um trabalho comparativo entre o monitoramento das trocas gasosas entre a biosfera e a atmosfera na região amazônica feitas por duas torres do Programa LBA e um trabalho paralelo de monitoramento, realizado pelo pesquisador ao longo de seis anos.
As torres de monitoramento do Programa LBA, responsáveis por medir os “fluxos verticais” de vapor de água, energia e gás carbônico entre a floresta e a atmosfera, ficam situadas em dois pontos distintos da região amazônica: na Floresta Nacional do Tapajós, em Santarém (PA), e na Reserva Biológica do Cuieiras, em Manaus.
A pesquisa de Tota consistiu na instalação – ao redor das torres – de equipamentos complementares que permitiram monitorar, também, o chamado “escoamento horizontal” do carbono.
Método atual não é preciso
“O atual modo de monitoramento, criado nos anos 50 e que é usado pelas torres do Programa LBA, leva em consideração duas variáveis, que são o fluxo vertical turbulento e o fluxo de armazenamento abaixo do nível de medida, em geral acima da floresta”, explica o cientista.
O método, conhecido como Covariância de Vórtices Turbulentos – ou Eddy Covariance System (ECS), mede as trocas líquidas de gases do ecossistema (também conhecido como Net Ecosystem Exchange – NEE) –, e segundo Tota, o mesmo não é suficientemente preciso para definir exatamente o saldo resultante médio entre a absorção e a liberação de gás carbônico por parte da floresta.
“O método não considera um processo que agora sabemos ser importante para minimizar as incertezas das estimativas, que são os fluxos horizontais de gases dentro da floresta, muito comuns em áreas de topografia com presença de declives e vales, como a que existe nas proximidades de Manaus”, explica Tota.
O trabalho começou em 2003, em Santarém, que possui relevo relativamente suave e mais homogêneo em relação a Manaus. Apesar disso, o experimento mostrou a existência de fluxos horizontais de gás carbônico, chamados por ele “escoamento horizontal ou drenagem” de gases.
“A simples existência deste novo processo levam a ser questionáveis as estimativas de grande absorção de gás carbônico reportadas por estudos já realizados na Amazônia sobre as trocas de gás carbônico entre a biosfera e a atmosfera”, afirma o cientista.
Tota ressalta ainda que em Manaus, a partir de 2005, o resultado de seu estudo serviu para demonstrar que a mesma metodologia de medidas para Santarém não foram adequadas e suficientes para estimar quantitativamente os fluxos horizontais.
“O terreno mais acidentado tornou a análise dos fluxos horizontais mais difícil de ser feita, pois as interações das micro-circulações do ar acima e abaixo da floresta e a distribuição espacial do gás carbônico precisariam de maior detalhamento experimental e equipamentos para serem quantificadas”, diz.
Ignorando o relevo
Quando foi criado, o método de ECS – usado atualmente em todo o planeta para estimar o NEE – não considerava processos de escoamento horizontal oriundos das variações de relevo das áreas estudadas.
Em um primeiro momento, o método pareceu apresentar resultados satisfatórios quando aplicado para monitoramento em escala de tempo não muito longa e sob condições ideais de relevo e homogeneidade da superfície.
“Isso acontecia porque o método foi pensado para se aplicar em áreas sem relevo e homogêneas, onde foi testado inicialmente nos anos 50. As análises das estimativas feitas por outros métodos foram comparativamente muito próximos aos de ECS, o que o fez ser aceito como preciso”, analisa Tota.
‘Fumaças coloridas’
Quando iniciou o experimento em Manaus, Júlio Tota realizou um processo curioso para definir, no entorno da área de alcance da torre principal do LBA, os locais para a instalação dos equipamentos complementares de monitoramento.
“Eu usei equipamentos para liberar fumaça colorida em várias partes da área estudada. Desta forma pude observar o deslocamento das camadas de ar entre as árvores sob os declives e vales”, explica.
Com isso, Tota observou que boa parte das camadas de ar se moviam de forma a acompanhar o declive da área. “Em muitos casos, o deslocamento desceu até os vales, em uma trajetória que fugia completamente do alcance do monitoramento da torre do LBA, que analisa, principalmente, o deslocamento vertical e as camadas mais superiores”, diz, ressaltando que, por esta razão, os resultados estimados pelas torres passariam a ser considerados incompletos.
Método brasileiro
Os equipamentos usados, batizados por Tota como DRAINO (“Dreno”, em português), termo para definir “drenagem de ar”, foram integralmente doados ao LBA pelo professor e co-orientador da tese de doutorado de Júlio Tota, o cientista David Fitzjarrald, da State University of New York (SUNY). Mas todo o trabalho de desenho e montagem de equipamentos foi desenvolvido por Tota.
A apresentação oficial do trabalho de Júlio Tota, orientado pela professora Maria Assunção Faus da Silva Dias, da Universidade de São Paulo (USP), rendeu o primeiro título de doutorado no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Clima e Ambiente, criado por meio de parceria entre Inpa e Universidade do Estado do Amazonas (UEA).
Estiveram presentes na defesa da tese do pesquisador o diretor em exercício do Inpa, Wanderli Pedro Tadei, a reitora da UEA, Marilene Corrêa, e outros cientistas do Instituto, que assistiram e interagiram com a apresentação de Júlio Tota. Ainda esta semana, outros pesquisadores do Inpa defendes teses, desta vez em nível de mestrado.