Teste rápido de HIV pode auxiliar a redução da transmissão de mãe para filho
A transmissão vertical do HIV, que pode ocorrer de mãe para filho durante a gestação, trabalho de parto e por meio da amamentação, é responsável pela quase totalidade de casos de Aids em crianças no Brasil. Para evitar esse tipo de transmissão, o Ministério da Saúde (MS) recomenda a realização do teste de HIV pelas mães em consultadas pré-natais ou no momento do parto. No entanto, apesar de a aceitação do teste ser alta, a baixa oferta nos postos de saúde é um dos principais fatores associados à sua não realização. Isso é o que aponta a tese de doutorado em saúde pública da médica Valdiléa Veloso, diretora do Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (Ipec/Fiocruz). Defendido na Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp), também da Fiocruz, o estudo avaliou como se dá, no Brasil, a testagem para HIV na gravidez e no parto, além de ter analisado a viabilidade da utilização do teste rápido e dos fatores associados à infecção em mães que desconheciam sua situação sorológica quando admitidas na maternidade.
“A identificação das gestantes infectadas pelo HIV é uma etapa fundamental na estratégia de prevenção da transmissão dessa infecção para os filhos dessas mulheres”, afirma a pesquisadora. “Essa transmissão pode ser reduzida para menos de 1% com a administração de antirretrovirais durante a gravidez, no momento do parto ou no recém-nascido em suas primeiras horas de vida, combinada com a substituição do aleitamento materno pelo uso da fórmula infantil”. Segundo Valdiléa, o ideal é que o teste seja realizado o mais cedo possível na gravidez, se possível, antes do terceiro trimestre de gestação, quando ocorre a maior parte das transmissões. Por isso, uma boa estratégia seria a ampliação de sua realização nas primeiras consultas pré-natais.
Resistência a transformar o exame em rotina
A pesquisadora aponta que ocorrem anualmente no país cerca de 12,5 mil partos de mulheres infectadas por HIV, mas que, em média, apenas 51,7% são cobertos com a administração da zidovudina (AZT) injetável, como recomenda o MS. O estudo de Valdiléa consultou 2.234 grávidas em 12 cidades localizadas nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul. Diversos foram os fatores encontrados que estão funcionando como obstáculos a esse processo de testagem para HIV, dentre eles a falta de ofertas do teste pelos médicos no exame pré-natal e a dificuldade da rede laboratorial em realizar o exame e retornar seu resultado para o médico em tempo hábil, seja por problema de recursos humanos ou pela falta de kits de diagnóstico. “A maior parte das mulheres, inclusive as de renda mais baixa, fazem pré-natal, mesmo que não façam um número grande de consultas”, comenta Valdiléa. “No entanto, observa-se uma resistência dos profissionais a transformar o exame em um procedimento de rotina, já que a incorporação do serviço demanda treinamento, além de ser uma tarefa a mais. Mas não é razoável que isso demore tanto tempo para acontecer”.
Segundo Valdiléa, a ampliação da disponibilização de testes rápidos de HIV, como o produzido pelo Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Biomanguinhos/Fiocruz), para o uso pré-natal ou no momento do parto pode contribuir para diminuir o risco de transmissão. “O teste é simples de fazer, pode ser realizado por qualquer pessoa da equipe médica, inclusive por enfermeiras, e elimina uma etapa complicada, mais cara e demorada que é o envio para laboratórios”, explica a pesquisadora. “No Brasil, há um sistema de saúde de acesso universal, ampla disponibilidade de antirretrovirais e um teste rápido de HIV nacional, ou seja, já temos todos os recursos. Precisamos reduzir rapidamente o atraso em relação aos países mais desenvolvidos”.
Além disso, a pesquisadora destaca a possibilidade de que a população com menor número de cuidados pré-natal e, por consequência, com menor acesso ao teste de HIV, seja justamente a que concentra uma proporção maior de mulheres infectadas pelo vírus. “Há toda uma necessidade de fazer um aconselhamento, caso o resultado seja positivo, e isso pode complicar bastante se a mulher ainda faz seu tratamento pré-natal em um lugar e dá a luz em outro diferente, o que é bastante comum em classes mais baixas”, esclarece Valdiléa. De acordo com ela, todos esses fatores combinados resultariam em uma proporção significativa de mulheres infectadas pelo HIV chegando ao parto sem conhecimento da sua situação sorológica e, portanto, sem oportunidade de receber as intervenções para a redução da transmissão vertical e os cuidados necessários à conservação da sua própria saúde.
Mais consultas no pré-natal estão associadas a maior oferta do teste
Uma outra questão destacada pela pesquisadora é o fato de que a realização do teste de HIV no momento do parto pode ter consequências problemáticas para a amamentação das crianças. “Muitas vezes, o resultado demora a chegar, o que impede o início do aleitamento”, diz Valdiléa. “O efeito disso é muito negativo, pois um percentual bem pequeno das mulheres em relação ao todo vai estar infectado, acarretando em problemas para a amamentação de bebês que não são positivos e precisam ser alimentados pelo leite materno nas primeiras horas de vida”. A pesquisadora explica ainda que a transmissão por meio do aleitamento está associada a um risco adicional de cerca de 14% de o bebê adquirir HIV.
O estudo de Valdiléa ainda verificou como se dá a identificação de mulheres infectadas pelo HIV por ocasião do parto em maternidades no Rio de Janeiro e em Porto Alegre. Ao todo, foram avaliadas 5.193 grávidas e os resultados diferiram nas duas capitais. No Rio, a maior parte das mulheres foi testada no pós-parto (66%), enquanto em Porto Alegre a quase totalidade (92,5%) foi testada no trabalho de parto. A prevalência de infecção pelo HIV foi maior em Porto Alegre (6,5%) do que no Rio (1,3%). “Conhecer a importância do teste de HIV para a prevenção da transmissão vertical e ter frequentado um maior número de consultas pré-natal se mostraram associados a maior chance de receber a oferta do teste”, elucida a pesquisadora. “Além disso, ficou claro que é preciso sensibilizar e mobilizar os profissionais de saúde para que os serviços possam contribuir para diminuir as iniquidades determinadas pelas desigualdades sociais no acesso a estes procedimentos”.