Ensino da história e cultura afro-brasileira: pesquisa na África Austral contribui para descolonização de currículo

Por Claudio Moraes 30 de novembro de 2021

“A inclusão do conhecimento local nos currículos da África do Sul, de Moçambique, da Tanzânia e do Zimbabwe: possibilidades de fundamentos epistemológicos para o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana no Brasil”. Esse é o título da pesquisa realizada pela professora Kátia Evangelista Regis, do curso de Licenciatura Interdisciplinar em Estudos Africanos e Afro-Brasileiros da Univesidade Federal do Maranhão (LIESAFRO/UFMA).

A pesquisa – financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA) – é realizada na Universidade Púnguè (UniPúnguè) em Moçambique, com trabalhos de campo em países da África Austral.

De acordo com a professora Kátia Regis, para a implementação da Lei nº 10.639/2003, que tornou obrigatório, no Brasil, o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, é fundamental a descolonização dos currículos. “Esse processo pode ser enriquecido a partir da conexão com os debates em países africanos acerca da crítica à hegemonia da lógica eurocentrada, que, historicamente, também fundamentou seus currículos”, afirma a pesquisadora.

Segunda ela, nessa discussão, os conhecimentos locais (em muitos países denominado Indigenous Knowledge Systems – IKS) são percebidos como importantes para serem incorporados nos currículos africanos, a exemplo do Plano Curricular do Ensino Básico (PCEB, 2003) de Moçambique. Ele estabelece que 20% do tempo letivo seja para a lecionação do Currículo Local (CL) e do National Curriculum Statement (NCN, 2002) da África do Sul, no qual um dos seus sete princípios destaca a valorização dos sistemas de conhecimento indígenas. “A compreensão acerca dos desafios e das potencialidades da implementação de políticas curriculares que incorporam os conhecimentos locais na África do Sul, em Moçambique, na Tanzânia e no Zimbabwe podem contribuir para os estudos, no Brasil, sobre História e Cultura Afro-Brasileira e Africana”, destaca Kátia Regis.

O trabalho de investigação, que integra o pós-doutorado da professora Katia Regis, é supervisionada pela professora professora catedrática da Universidade Pedagógica de Maputo (UPM), Emília Nhalevilo. Ela é a primeira mulher a ser reitora de uma universidade pública em Moçambique e figura, atualmente, como uma das cem personalidades africanas mais influentes da África lusófona, segundo dossiê organizado pela African Shapers.

A pesquisa possui, ainda, a cosupervisão da professora titular emérita da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e ex-ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Nilma Lino Gomes. Primeira mulher negra a ser reitora de uma universidade federal no Brasil, foi relatora das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola, 2012.

Até o momento, diversas ações foram realizadas no âmbito do trabalho de campo da pesquisa de pós-doutorado: visitas a escolas de Chimoio  (Província de Manica) e de Maputo (Província de Maputo) em Moçambique e em instituições educacionais em Mbombela (Mpumalanga Province) na África do Sul. Foram realizadas, ainda, entrevistas com pesquisadores/as de universidades dos países investigados, com integrantes de instituições govermanentais e com docentes, gestores/as de escolas e membros das comunidades escolares, além da realização de palestras e reuniões institucionais com as administrações centrais da UniPúnguè e da Universidade Pedagógica de Maputo (UPM).

A pesquisadora ressalta que a pesquisa bibliográfica da investigação; o levantamento e a sistematização do arcabouço legal para a incorporação dos conhecimentos locais nos países pesquisados e as ações desenvolvidas no trabalho de campo – numa perspectiva Sul-Sul de diálogo entre conhecimentos e práticas – estão contribuindo para aprofundar as reflexões em torno de fundamentos epistemológicos, para além dos eurocentrados. “Estamos construindo uma articulação com países africanos em toda a sua diversidade, suas lutas, seus desafios e suas potencialidades atuais; o que pode enriquecer, sobremaneira, o processo formativo desenvolvido na LIESAFRO/UFMA, bem como a formação de professores/as da educação básica do estado do Maranhão”, conclui.