Pesquisa genética identifica biodiversidade nos biomas maranhenses

Por Claudio Moraes 19 de fevereiro de 2020

Floresta amazônica ao norte, caatinga a leste, cerrado no centro leste, campos inundáveis na região central, restingas e manguezais. A ampla heterogeneidade ambiental do Maranhão faz do estado um laboratório natural para o estudo da diversidade animal.

A pesquisa da professora Claudene Barros, da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), Campus Caxias, identificou, mediante o uso de ferramentas moleculares, as espécies de diferentes grupos animais desses biomas.  Ela contou com o financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA), por meio do edital nº 10/2015 BEPP, e teve a participação de estudantes de mestrado e de graduação no âmbito da iniciação científica. “Foi extremamente importante o apoio da FAPEMA, pois assim se iniciou o processo de conhecimento do que existe no Maranhão no que se refere a biodiversidade, possibilitando a adoção de medidas para preservação dos biomas”, comentou Claudene.

“O projeto busca preencher lacunas no âmbito da identificação animal, com obtenção de conhecimento e informações relevantes quanto à sistemática e à biodiversidade maranhense”, sintetizou. “Estudos dos aspectos morfológicos, genéticos e de saúde pública são necessários diante da importância dos anfíbios, peixes, roedores, marsupiais, morcegos e insetos vetores de doenças do ponto de vista ecológico, econômico e médico-sanitário”, complementou.

Por meio da extração de DNA, amplificação gênica e sequenciamento de diferentes grupos animais e análise nos softwares BioEdit, Mega, DnaSP 4.0 e na plataforma BoldSystems, foi possível gerar códigos de identificação molecular – denominados “DNA Barcode” – a partir do material biológico de anfíbios, peixes, roedores, marsupiais, morcegos e Aedes aegypti. A coleção de tecidos e o DNA dessas espécies estão armazenados a 85ºC negativos no Laboratório de Genética e Biologia Molecular da UEMA do Centro de Estudos Superiores de Caixas (CESC). O material foi coletado a partir de outros projetos fomentados pela FAPEMA. “Apesar de muitos resultados gerados, esse tipo de estudo é contínuo, pois a biodiversidade animal maranhense em sua maioria ainda está escondida”, informou Claudene Barros.

Linhagem de Aedes aegypti e marsupiais

O estudo verificou a dinâmica populacional do mosquito Aedes aegypti no nordeste brasileiro, incluindo três municípios do Maranhão (Caxias, Humberto de Campos, Maracaçumé).  Os dados coletados pela pesquisadora revelaram a presença de diferentes linhagens do mosquito na região.

Foram encontradas 21 combinações genéticas (haplótipos). As combinações detectadas em Caxias estão compartilhadas em Humberto de Campos, Parnaíba, Natal, João Pessoa, Teresina e Aracaju. O haplótipo de Maracaçumé está compartilhado em Caxias, Teresina, Parnaíba, Natal e João Pessoa. E foram identificados haplótipos exclusivos nas populações de Caxias, Teresina, Parnaíba Humberto de Campos e Natal.

O estudo pesquisou, ainda, os marsupiais – mamíferos que, em sua maioria, são desprovidos, no sexo feminino, de placenta completa. Apresentam uma dobra de pele em que se origina uma bolsa ou marsúpio provido com glândulas mamárias, como os gambás e os cangurus. O estudo apoiado pela FAPEMA constatou a ocorrência, no cerrado maranhense, da família Didelphidae com nove espécies. Foram registrados o gambá-de-orelha-branca (D. albiventris) e o gambá-comum ou mucura (D. marsupialis).

Registros inéditos de roedores e morcegos

Existem mais de cem espécies de ratos-do-mato no mundo. Com orelhas e olhos pequenos, focinho mais arredondado que pontudo, cauda mais curta do que o corpo e pelagem macia, a espécie Wiedomys cerradensis é encontrada no cerrado do Brasil central. Porém, a pesquisa da professora Claudene Barros constatou, de forma inédita, a sua ocorrência no Maranhão, a 900 km de sua distribuição anteriormente conhecida. Um espécime masculino de Wiedomys foi coletado na Área de Proteção Ambiental (APA) Municipal de Inhamum, no município de Caxias, à margem da BR 316.  O registro foi confirmado a partir da análise de dados moleculares e se configura com um das 11 espécies identificadas pela pesquisadora. O estudo apontou, ainda, a ocorrência de duas famílias para a APA do Inhamum (Cricetidae e Echimyidae).

Ainda segundo a professora Claudene Barros, a pesquisa identificou o primeiro registro, para o estado, de várias espécies de morcego como o fruteiro-franjado (Artibeus fimbriatus), o morcego-buldogue (Noctilio albiventris) e o morcego linha branca (Platyrrhinus fusciventris).  Foi revelada, ainda, a ocorrência de quatro famílias, 11 subfamílias, 24 gêneros e 33 espécies de morcegos na APA do Inhamum. Algumas espécies se alimentam de frutos como a Dermanura gnoma, Platyrrhinus cf. recifinus, Phylloderma stenops; enquanto outras se nutrem com insetos como o Lasiurus blossevillii, Lasiurus ega, Micronycteris schmidtorum, Molossops temminckii. Há, ainda, uma espécie onívora, que se sustenta com ambos: o Trachops cirrhosus. A análise apontou, além disso, que há uma diversidade de morcegos a ser conhecida para a região.

Em outro estudo, no bioma Amazônia maranhense, foi verificada a ocorrência de 26 espécies, 18 gêneros e cinco famílias de morcegos. A família Phyllostomidae apresentou 20 espécies distribuídas em 13 gêneros. As famílias Vespertilionidae e Emballonuridae foram representadas por duas espécies e dois gêneros, seguidas por Molossidae e Noctilionidae com uma espécie cada.

Peixes de 59 espécies e 36 tipos de anfíbios

Existem mais de 20 mil espécies de peixes no mundo atualmente. A pesquisa coordenada pela professora Claudene Barros realizou o estudo do DNA de 59 espécies de peixes dos rios Pindaré e Turiaçu, tendo sido identificados 23 que estão presentes nos dois cursos d’água. Foram constatados novos registros da piranha (Serrasalmus eigenmanni Norman, 1929) e do Ageneiosus vittatus Steindachner, 1908 para a região Nordeste.

No estudo populacional das traíras (Hoplias malabaricus) coletadas nos rios Turiaçu, Pindaré, Mearim, Itapecuru e Parnaíba, os resultados revelaram um processo de diferenciação genética evidenciando a ocorrência de mais de uma linhagem da espécie nessas bacias. Foram detectados novos registros de 13 espécies para a bacia do rio Mearim.

Na APA do Inhamum, a caracterização genética revelou seis ordens, 10 famílias e 15 espécies. Na bacia do rio Itapecuru, em relação aos bagres (ordem dos Siluriformes), a identificação molecular confirmou a identificação morfológica das espécies Jundiá (Rhamdia quelen), Mandiú (Pimelodus blochii), surubi bico-de-pato (Sorubim lima), Ageneiosus inermis e Ageneiosus ucayalensis. Além disso, as espécies cascudo (Hypostomus sp.) e Pimelodella sp. identificadas morfologicamente, apenas em status genérico, foram identificadas em seu status específico por meio do código de barras de DNA.

Na região do cerrado maranhense, a pesquisa identificou 36 espécies de anuros, grupo de anfíbios com mais de quatro mil espécies no mundo, em que se enquadram sapos, pererecas e rãs. Alguns dos espécimes ameaçados de extinção apresentaram influência de outros biomas. O Proceratophrys cristiceps, por exemplo, um animal de pequeno porte, que infla o seu corpo e estica os membros para parecer maior, ao se sentir ameaçado, tem características de espécimes da caatinga. O mesmo ocorre com o Corythomantis greeningi, pequeno exemplar esverdeado e rugoso de perereca selvagem, que possui espinhos com substâncias altamente tóxicas. Também sofrem essa influência os espécimes Physalaemus albifrons, Leptodactylus troglodytes, Scinax x-signatus e Pleurodema diplolister.

Com influência do bioma amazônico foram catalogados o Sphaenorhynchus lacteus, Osteocephalus taurinus, o Leptodactylus hylaedactylus, o Dendropsophus leucophyllatus e o Hypsiboas punctatus. Foi constatada a influência da mata atlântica no Leptodactylus natalensis. O estudo evidenciou, ainda, a formação de dois complexos para o sapo cururu: o Rhinella marina (compreendendo as espécies R. marina, R. jimiR. cerradensis) e o Rhinella granulosa (com as espécies R. granulosa e R. mirandaribeiroi).

De acordo com a pesquisadora Claudene Barros, os dados revelam uma grande parte da biodiversidade maranhense, mas apontam, ainda, a necessidade de continuidade dos estudos. “Ainda há muito a ser descoberto tanto em relação aos animais, quanto aos biomas em que eles habitam”, afirmou. “É preciso compreender melhor esses diferentes biomas e suas áreas de transição, os ecótonos”, prosseguiu. “Ao se conhecer essa biodiversidade, será possível a elaboração de planos para a sua preservação e a integração das espécies com esse habitat”, concluiu.

Perfil do pesquisador

Maria Claudene Barros é bióloga (UFPI), com mestrado em Genética (UFPB) e doutorado em Ciências Biológicas (UFPA). Professora adjunta da UEMA no programa de pós-graduação “Mestrado em Ciência Animal”, coordena o programa de mestrado em “Biodiversidade, Ambiente e Saúde” no Centro de Estudos Superiores de Caxias. Com experiência na área de genética, com ênfase em biologia molecular, atua em pesquisas nos campos da sistemática molecular animal, filogenia animal e genética de população.

 

 

 

Texto: Cláudio Moraes

Fotos: Divulgação