Vírus zika ainda representa ameaça de saúde pública no Brasil

Por Elizete Silva 25 de julho de 2019

Elton Alisson, de Campo Grande (MS)  |  Agência FAPESP –

Quatro anos após causar uma das maiores epidemias no Brasil, o zika continua a assombrar o país. Apesar de sua circulação ter diminuído nos últimos anos, o vírus ainda representa uma séria ameaça de saúde pública.

O alerta foi feito por Celina Maria Turchi Martelli, pesquisadora do Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em Pernambuco, durante uma mesa-redonda sobre doenças emergentes realizada terça-feira (23/07) na 71ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

Com o tema “Ciência e inovação nas fronteiras da bioeconomia, da diversidade e do desenvolvimento social”, o evento ocorre até sábado (27/07) no campus da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), em Campo Grande.

“Apesar de a circulação do vírus zika ter reduzido no Brasil, ela continua existindo. E algumas perguntas que fazemos é se estamos preparados para novos surtos e o que está sendo feito para melhorar o diagnóstico clínico e laboratorial dessa e de outras arboviroses”, disse Martelli.

A pesquisadora foi eleita em 2016 pela revista Nature entre os 10 cientistas mais importantes do mundo naquele ano por liderar estudos que associaram, pela primeira vez, a infecção de grávidas pelo vírus zika com a microcefalia em seus bebês.

Embora a relação entre vírus zika e microcefalia já tivesse sido observada, foi somente a partir do trabalho de Martelli e de seus colaboradores do Grupo de Pesquisa da Epidemia de Microcefalia (MERG, na sigla em inglês) que a associação foi confirmada.

“Logo no início da epidemia de zika no Recife surgiu a suspeita de que a microcefalia que observávamos nos bebês deveria ter uma causa infecciosa”, disse Martelli.

“As imagens radiológicas do cérebro das crianças mostravam calcificações muito grosseiras, similares às causadas por doenças infecciosas como a rubéola e a toxoplasmose. Mas, quando tentávamos estabelecer quais os agentes, os resultados eram negativos para essas doenças”, disse.

A comprovação de que a diminuição do perímetro cefálico dos bebês tinha sido causada pela infecção das mães pelo zika foi possível por meio de estudo feito em 2016, encomendado pelo Ministério da Saúde. O objetivo do estudo foi responder, no menor prazo possível, qual o agente causador e quais eram os fatores de risco para o desenvolvimento do tipo de microcefalia observada nos bebês.

Para isso, os pesquisadores rastrearam, durante um ano, em oito maternidades no Recife, tanto recém-nascidos com microcefalia como bebês nascidos no mesmo período, mas com perímetro cefálico normal.

“Decidimos rastrear os bebês com microcefalia na maternidade porque queríamos ter certeza de que eram casos de transmissão congênita. Não pegamos casos de bebês com microcefalia nascidos em 2015 porque se já tivessem seis, oito ou nove meses, por exemplo, poderiam ter sido infectados pelo vírus após saírem da maternidade”, disse Martelli.

Os resultados do estudo, publicados na revista Lancet Infect Diseases, mostraram que os bebês com microcefalia tinham sido infectados pelo vírus, enquanto os do grupo controle, com perímetro cefálico normal, não apresentavam o vírus.

“Isso confirmou a associação extremamente forte entre a infecção de grávidas com o vírus e o desenvolvimento de microcefalia nos bebês e descartou uma série de fatores que estavam sendo aventados, como ambientais, infecção pela vacinação contra a rubéola e a aplicação do pesticida piroproxifeno”, disse Martelli.

Ao acompanhar tanto bebês com microcefalia grave como infectados pelo vírus, mas com perímetro cefálico normal, os pesquisadores também constataram que esses últimos apresentavam posteriormente um atraso no crescimento do perímetro cefálico.

“Vimos que nem todas crianças infectadas pelo vírus apresentavam microcefalia ao nascer. Por isso é necessário ter um sistema de vigilância que acompanhe as crianças cujas mães foram infectadas pelo vírus zika na gestação não só no nascimento, mas nos primeiros dois anos de vida para verificar as características de neurodesenvolvimento”, disse Martelli.

Estudo pioneiro

De acordo com Martelli, um dos poucos estudos de acompanhamento como esse foi feito por pesquisadores da Fiocruz do Rio Janeiro e da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, e foi publicado no início de julho na Nature Medicine.

Os pesquisadores acompanharam, durante dois anos, 216 crianças nascidas de mães infectadas pelo arbovírus. Os resultados revelaram que um terço das crianças apresenta atrasos no desenvolvimento e alterações neurossensoriais.

As crianças expostas ao vírus nas primeiras semanas de gestação foram as mais afetadas, enquanto as que foram expostas nas últimas semanas de gestação apresentaram menos complicações.

Entre as crianças acompanhadas pelos pesquisadores, oito tinham microcefalia. Duas delas voltaram a ter um crescimento adequado do perímetro cefálico: um bebê, que no período intrauterino apresentava restrição, teve o seu crescimento restabelecido e o outro foi submetido a uma cirurgia craniana que abriu as suturas que se encontravam fechadas prematuramente, em uma patologia conhecida como craniosinostose.

As duas crianças não apresentaram problemas neurológicos, motores, na retina ou de linguagem após manuseio adequado de suas situações clinicas, nutrição e estimulação adequada. E em nenhuma delas o parênquima cerebral foi comprometido.

“Esse estudo de coorte [de observação de pacientes expostos a um fator de risco, que são seguidos por um determinado período de tempo] foi feito em um momento muito oportuno”, disse Martelli.

De acordo com a pesquisadora, há quase 10 mil casos de síndrome congênita causada por infecção por vírus zika relatados no Brasil, mas apenas 25% foram confirmados.