18 de maio: Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) preconiza em seu artigo 5º que “nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”. Isso ratifica que a violência sexual fere de forma relevante o princípio da dignidade humana.
E mais: engana-se quem pensa que enfrentar esse problema cabe somente ao Estado. A Constituição Federal traz em seu Art. 227 que “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. E acrescenta no § 4.º que a lei punirá severamente o abuso e a exploração sexual da criança e do adolescente.
Para saber mais sobre violência sexual contra crianças e adolescentes, leia a entrevista concedida à Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (Fapema) pela especialista em Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes, mestra e doutora em Políticas Públicas, professora das Universidades Estadual do Maranhão (Uema) e Ceuma (Uniceuma) e consultora Ad-Hoc desta Fundação, Valdira Barros.
Conhecer para enfrentar. Para isso, é necessário percorrer o caminho desde o início. Então, iniciaremos a nossa entrevista perguntando à senhora: o que é violência sexual contra crianças e adolescentes?
A violência sexual, em primeiro plano, é uma violação ao direito ao desenvolvimento saudável da sexualidade da criança ou adolescente, configurando-se como todo ato ou jogo sexual cometido contra crianças e adolescentes, pessoas que ainda estão em fase de desenvolvimento e que não possuem a plena capacidade de consentimento.
Então ela se apresenta de diversas formas. Quais são elas?
Existem diversas maneiras de classificar a violência sexual contra crianças e adolescentes. A forma mais conhecida é a distinção entre o abuso e a exploração sexual. A exploração sexual de crianças e adolescentes é o que ficou conhecido como “prostituição infantil”, ocorre com a utilização sexual de crianças e adolescente em troca de bens ou valores em espécie. Esta, por sua vez, também comporta subdivisões, incluindo, por exemplo, o comércio em torno da chamada pornografia infantil. Já o abuso sexual seria a violência cometida sem que sejam oferecidos presentes ou bens. Ocorre em geral nos ambientes em que em tese a criança estaria protegida. As estatísticas apontam que os abusadores costumam ser pessoas próximas da criança, tais como familiares, educadores, entre outros.
A senhora pode traçar de forma breve o panorama da violência contra crianças e adolescentes em nosso estado e em nosso País como um todo?
Atualmente a principal fonte de informações para dimensionamento do fenômeno da violência contra crianças e adolescentes no Brasil é o sistema do disque 100, atualmente vinculado ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. De acordo com dados do disque 100, somente no primeiro semestre do ano de 2018 foram notificados 8581 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes em todo o Brasil, sendo que no Maranhão foram notificados 240 casos nesse período. São números alarmantes.
Os abusadores sexuais são sempre pedófilos?
É considerada pedófila aquela pessoa que tem uma perversão sexual que consiste na preferência por se relacionar sexualmente apenas com crianças e adolescentes. Nesse sentido, nem todos os abusos sexuais são cometidos por pedófilos, ocorrendo também em decorrência de uma cultura que trata crianças e adolescentes não como sujeitos de direitos, pessoas, mas como objetos. Quando as estatísticas apontam que a maioria das vítimas são meninas, encontramos como pano de fundo, uma cultura machista.
Como denunciar um caso de violência sexual?
Existem diversos canais para se denunciar um caso de violência sexual. Entre eles destaco o disque 100, chamado disque direitos humanos, através do qual a pessoa pode, de forma anônima, levar o caso ao conhecimento das autoridades. Outro órgão que pode ser procurado é o Conselho Tutelar, o qual poderá acionar outros órgãos de apuração e proteção, sempre primando pela privacidade e preservação da identidade do denunciante e da vítima. Assim, a pessoa não precisa ter medo de denunciar, pois só através da denúncia é possível fazer cessar o ciclo da violência.
Quais as providências gerais que devem ser tomadas quando houver a identificação de que uma criança ou um adolescente sofreu violência sexual?
O caso deve ser levado ao conhecimento dos órgãos responsáveis pela apuração e também pela proteção de crianças e adolescentes. As vítimas devem ser encaminhadas para programas de terapias. Atualmente os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e os Centros de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) são espaços públicos que acolhem as vítimas. O agressor deve ser submetido ao procedimento criminal de apuração da violência bem como a avaliação psicológica, sendo recomendado que este, a depender do diagnóstico, também seja encaminhado para tratamento psicológico.
É muito comum ouvirmos que só os homens cometem abuso sexual e que ele só ocorre no ambiente extrafamiliar. Isso é verdade?
O abuso sexual pode ser cometido por pessoas de todos os gêneros, configurando-se na violação à dignidade sexual da criança ou adolescente, que é submetido a uma relação sexual, sem que tenha a formação e maturidade necessária para tal ato. Ao contrário do que se imagina, a maioria dos casos ocorre no ambiente doméstico, familiar, cometido por pessoas pelas quais a vítima tem carinho, respeito e confiança.
Quando ocorre um caso de violência sexual intrafamiliar, quem deve sair de casa: quem abusa ou a vítima?
Nessa situação quem deve sair de casa é o agressor, por determinação da autoridade judiciária, isso com base no art. 130 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
É possível orientar as crianças e os adolescentes sobre o que seria a violência sexual e de que modo eles podem se proteger?
Sim. Hoje em dia já existem desenhos animados e cartilhas que auxiliam nessa tarefa. Importante que as famílias e educadores passem informações para que as crianças e adolescentes conheçam o próprio corpo, e orientem estas a não deixarem que suas partes íntimas sejam tocadas por outras pessoas. Manter um diálogo aberto sobre sexualidade, considerando também o estágio de desenvolvimento da criança ou adolescente, deve ser uma atitude constante.
A internet representa hoje um grande perigo quando o assunto é violência sexual. A senhora pode comentar um pouco mais sobre isso?
É necessário que os pais ou responsáveis monitorem os conteúdos que estão sendo acessados pelos filhos, bem como observar se dialogam com pessoas que “conheceram” através da internet. A internet é um dos mecanismos utilizados por pedófilos e redes de exploração sexual para o aliciamento de crianças e adolescentes. Assim é interessante que os pais orientem os filhos a não postarem na internet imagens em que se identifica, por exemplo, a escola em que a criança ou adolescente estuda, assim como fotografias usando trajes de banho ou roupas íntimas.
Esteja à vontade para as considerações finais.
Em 2017 tivemos uma importante conquista para a proteção das crianças e adolescentes vítimas, que foi a publicação da Lei 13.431/2017. Ela estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência, disciplinando, entre outras inovações, um procedimento diferenciado para escuta de crianças e adolescentes, de modo a coibir a chamada revitimização daqueles que sofreram a violência. Então é fundamental que os casos de violência sexual contra crianças e adolescentes sejam denunciados tão logo se tome conhecimento para se fazer cessar o ciclo da violência, e que o Estado realize maiores investimentos em programas de acolhimento às vítimas assim como na capacitação dos profissionais que atuam nas instituições responsáveis pela apuração e responsabilização.