Pesquisa com vermes pode indicar alternativas para o tratamento da esquizofrenia

Por Leandro Alves 20 de fevereiro de 2019

Peter Moon | Agência FAPESP – Um grupo de pesquisadores brasileiros tem estudado em vermes o papel de genes relacionados com a esquizofrenia na resposta a drogas antipsicóticas usadas em pacientes esquizofrênicos. Os resultados obtidos até o momento indicam novos caminhos para entender a resistência a certas classes de medicamentos.

O estudo é conduzido no Departamento de Farmacologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e conta com a colaboração de pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Um artigo sobre o trabalho foi publicado na revista Progress in Neuro-Psychopharmacology and Biological Psychiatry.

A esquizofrenia é um transtorno mental bastante complexo, de causas ainda desconhecidas e, até o momento, sem cura. O tratamento farmacológico consiste basicamente no uso de medicamentos antipsicóticos, que auxiliam no controle dos sintomas e ajudam o paciente a conviver normalmente na sociedade. As drogas antipsicóticas, de primeira e de segunda geração, atuam no sistema nervoso bloqueando principalmente a ação de dois neurotransmissores, a dopamina e a serotonina, que desempenham diversos papéis importantes no cérebro.

Os antipsicóticos de primeira geração, chamados típicos, são drogas bloqueadoras de receptores de dopamina. Os de segunda geração, os atípicos, bloqueiam também os receptores de serotonina. Em pacientes esquizofrênicos, há aqueles que não respondem aos antipsicóticos típicos e são considerados como refratários ao tratamento.

O novo estudo busca investigar, em nível molecular, razões pelas quais alguns pacientes respondem aos antipsicóticos de segunda geração, mas não aos de primeira.

“Sabe-se que pacientes esquizofrênicos apresentam níveis mais baixos na atividade de uma enzima específica conhecida como NDEL1 (Nuclear distribution element like-1). A atividade é ainda menor em pacientes resistentes ao tratamento”, disse Mirian Hayashi, professora no Departamento de Farmacologia da Escola Paulista de Medicina e coordenadora do estudo.

A pesquisadora explica que a proteína NDEL1 atua na degradação de neurotransmissores importantes para a função cerebral. “Em nosso estudo, verificamos que a NDEL1 pode estar ligada ao desenvolvimento da esquizofrenia”, disse Hayashi.

Uma maneira de caracterizar a ação de uma proteína é usar animais geneticamente modificados para não expressar a molécula que se quer estudar. São os chamados animais nocaute.

“Normalmente, usamos camundongos ou ratos como modelo animal, mas no caso específico da pesquisa com a proteína NDEL1 isso não é possível. Os embriões de roedores que não expressam a NDEL1 não são viáveis, ou seja, eles não se desenvolvem no útero”, disse Hayashi.

A alternativa foi recorrer a um invertebrado, o nematódeo Caenorhabditis elegans, que é um verme de cerca de 1 milímetro de comprimento encontrado em solos úmidos em todo o mundo.

O estudo contou com apoio da FAPESP. O trabalho também integra o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Bioanalítica, que tem financiamento da FAPESP e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Ancestral comum

C. elegans não tem o gene que codifica a proteína NDEL1, mas possui outros semelhantes. Os genes do elemento de distribuição nuclear (NDE, de nuclear distribution elemento) estão presentes nos genomas de fungos e de animais vertebrados e invertebrados, como insetos, moluscos ou nematódeos.

Isso ocorre porque os genes NDE foram herdados de um ancestral comum a fungos e animais, que viveu há mais de 1,5 bilhão de anos. Desde então, o gene ancestral se modificou na medida em que novos grupos de seres vivos foram evoluindo. Contudo, sua função permaneceu semelhante.

Entre os mamíferos, por exemplo, os genes NDE1 e NDEL1 têm função importante na formação do cérebro e atuam na orientação de prolongamentos de neurônios em mamíferos. Nos vermes C. elegans, as mesmas funções são codificadas pelos genes NUD-1 e NUD-2.

“Resolvemos usar C. elegans modificados geneticamente para suprimir as proteínas NDE e NDEL1 e então tratá-los com antipsicóticos usados para o tratamento da esquizofrenia. A ideia era descobrir a importância dessas proteínas em esquizofrênicos”, disse Hayashi.

O trabalho começou com a supressão dos genes NUD em nematódeos, divididos em três grupos. O primeiro, de vermes não modificados, serviu de controle. O segundo grupo foi uma linhagem nocaute na qual o gene NUD-1 foi silenciado. Já a linhagem nocaute do terceiro grupo teve silenciado o gene NUD-2.

Todos os grupos foram tratados com os antipsicóticos típicos (de primeira geração, bloqueadores do receptor de dopamina), atípicos (de segunda geração, bloqueadores de receptores de dopamina e serotonina), ou com solução salina como controle.

“Para os experimentos, usamos essas três linhagens e comparamos os comportamentos de cada uma delas com e sem o tratamento com antipsicóticos de primeira geração [haloperidol] ou de segunda geração [clozapina], que foram administrados separadamente”, disse Hayashi.

“Para avaliar o papel dos genes NUD e das drogas antipsicóticas sobre o comportamento de C. elegans, medimos a frequência de movimentação corporal [locomoção], a oviposição e o bombeamento faríngeo. Todas essas são características controladas por neurônios e neurotransmissores específicos, como a dopamina e a serotonina, que estão envolvidos na esquizofrenia”, disse.

A pesquisadora explica que as observações dos pequenos animais foram feitas com lupa. Cada grupo tinha de seis a 10 vermes. Para inferir se as drogas faziam ou não efeito nos vermes, no caso específico da locomoção, foram observados o movimento e a distância percorrida por eles.

“A observação da frequência da locomoção dos vermes em movimentos de ziguezague foi considerada um sinal de que os medicamentos estariam agindo. Dessa forma, foi possível estabelecer se a ausência dos genes NUD determinava se as drogas teriam efeito sobre as vias da dopamina e serotonina”, disse.

A análise da oviposição foi feita por meio da contagem do número de ovos. No caso do bombeamento faríngeo, os cientistas observaram se a alimentação dos vermes seguia um ritmo normal ou se apresentava alterações.

“O resultado do trabalho sugere que a ausência do gene NUD – e, consequentemente, da enzima por ele expressa – pode interferir na resposta dos fármacos. A atividade da proteína NDEL1, portanto, poderia prever a resposta à terapia”, disse Hayashi.

O artigo Impact of nuclear distribution element genes in the typical and atypical antipsychotics effects on nematode Caenorhabditis elegans: Putative animal model for studying the pathways correlated to schizophrenia (doi: https://doi.org/10.1016/j.pnpbp.2018.12.010), de Gabriela Guilherme Monte, João V. Nani, Marina Rosseto de Almeida Campos, Caroline Dal Mas, Lucas Augusto Negri Marins, Lucas Gelain Martins, LjubicaTasic, Marcelo A. Moric e Mirian A. F. Hayashi, pode ser lido em www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0278584618307036?via%3Dihub.