Risco de transmissão de dengue é medido com base no número de fêmeas do Aedes
Peter Moon | Agência FAPESP – Um novo índice que permite medir o risco de transmissão de dengue em uma cidade ou região com base no nível de infestação por fêmeas adultas do mosquito Aedes aegyptifoi descrito por pesquisadores brasileiros na revista Acta Tropica.
A metodologia foi desenvolvida por Maisa Carla Pereira Parra e colaboradores, sob a supervisão de Maurício Lacerda Nogueira, da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp), e Francisco Chiaravalloti-Neto, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP).
O estudo faz parte do Projeto Temático “Epidemiological study of dengue (serotypes1-4) in a cohort of São José do Rio Preto, São Paulo, Brazil, during 2014-2018”, apoiado pela FAPESP.
Na avaliação dos pesquisadores, o novo método seria mais prático e confiável do que o chamado Índice de Breteau – valor numérico que corresponde à razão entre o número de larvas de Aedes encontrado e a quantidade total de residências inspecionadas por agentes de saúde. Esse é o sistema atualmente usado pela vigilância epidemiológica para determinar o nível de infestação pelo mosquito transmissor da dengue.
“O Índice de Breteau calculado em São José do Rio Preto no início de 2018 foi o maior de todos os tempos. Foi superior inclusive ao índice de 2013, quando a região passou pela pior epidemia de dengue de sua história, com 18 mil casos. No entanto, em 2018 foram notificados apenas 44 casos da doença até o momento. Ou seja, pelo menos em nossa região, o Índice de Breteau não guarda mais relação com a prevenção da dengue”, disse Nogueira.
A explicação para tamanha disparidade, na avaliação do pesquisador, pode estar relacionada com a imunidade adquirida por parte da população durante as epidemias recentes.
“O problema do Índice de Breteau é que ele é uma medida da quantidade de larvas do mosquito, fase em que esse inseto vive na água. Mas o que realmente interessa é a fase adulta. Somente as fêmeas adultas transmitem o vírus após o acasalamento, quando buscam sangue humano para produzir e botar ovos”, explicou Chiaravalloti-Neto.
Foi a partir dessa constatação que surgiu a ideia de desenvolver um novo índice que levasse em conta apenas o número de fêmeas adultas. “Achávamos que seria mais fidedigno e mais fácil de calcular. A lógica por trás é que, quanto maior a quantidade de fêmeas adultas no ambiente, maior será a quantidade de pessoas infectadas”, disse Nogueira.
Metodologia
No caso do Índice de Breteau, agentes de saúde precisam visitar todas as casas da região que se quer aferir, verificar todos os reservatórios em busca de larvas de mosquito e somar o total encontrado. O trabalho tem que ser repetido com regularidade, mobilizando uma grande força de trabalho a um custo elevado.
Já para calcular o novo índice foram espalhadas em São José do Rio Preto 56 armadilhas especiais, que liberam no ambiente um odor semelhante ao da pele humana – capaz de atrair as fêmeas de mosquito sedentas por sangue. Ao entrar no dispositivo, ficam aprisionadas e morrem.
“As armadilhas eram posicionadas com um espaçamento de 200 a 400 metros, que é a metade do raio de voo do mosquito. Recolhíamos no dia seguinte para a contagem das fêmeas adultas”, contou Nogueira.
O experimento foi feito duas vezes por semana, permitindo reunir dados de até 62 residências por semana, ao longo de um ano – entre a 36ª semana de 2012 e a 19ª semana de 2013.
“Ao final do trabalho de campo, reunimos dados de mais de 1,5 mil armadilhas. Além de coletar as fêmeas, também verificamos via análise molecular quais eram positivas ou negativas para dengue”, contou Chiaravalloti-Neto.
Com base no número de fêmeas adultas capturadas por armadilha foi calculado um índice entomológico, que corresponde ao número de fêmeas de Aedes aegypti por 100 residências (aquelas vizinhas ao local da armadilha) ao longo de uma semana.
“A quantidade de fêmeas coletadas em uma única armadilha em uma residência pode ser pequena, mas serve de amostragem para calcularmos o tamanho da infestação na vizinhança”, disse Chiaravalloti-Neto.
Desse modo, o grupo construiu um mapa da região de São José do Rio Preto, com índices da quantidade de fêmeas adultas por bairro durante as 52 semanas do ano. Ao todo, as armadilhas capturaram 1.333 mosquitos do gênero Aedes (536 machos e 797 fêmeas) e 4.691 do gênero Culex (3.325 machos e 1.366 fêmeas) – somando 6.024 insetos.
Os espécimes de Aedes foram agrupados em 893 tubos e testados para a presença do vírus da dengue. O sorotipo 4 do patógeno (DENV-4) foi encontrado em 25 mosquitos (ou 2,8% dos tubos), dos quais 19 eram fêmeas e seis machos.
“Criamos bancos de dados com informações sobre a armadilha e sobre os casos de dengue: endereço, data de instalação, data de coleta, número de espécimes, espécies de mosquitos e resultado da análise molecular. O banco de dados de casos de dengue incluiu os endereços das notificações de dengue, a data de início dos sintomas, tipo e resultados de análises laboratoriais”, explicou Nogueira.
Por fim, o resultado do índice entomológico foi confrontado com os dados da vigilância epidemiológica para casos de dengue na cidade entre a 36a semana de 2012 e a 19a semana de 2013.
“Ao obter todos os casos notificados, fizemos uma modelagem para verificar se haveria uma relação entre o número de casos e a quantidade maior ou menor de fêmeas”, disse Chiaravalloti-Neto.
Mais de 2,5 mil casos suspeitos de dengue foram relatados na área de estudo. Destes, 1.137 casos foram registrados como confirmados. Houve 820 casos que testaram positivo para DENV (72,1%) e 317 que combinaram com critérios epidemiológicos clínicos (27,9%). Como controle, foram usados 1.450 casos que testaram negativo para DENV.
Segundo Chiaravalloti-Neto, o resultado da modelagem não poderia ter sido melhor. “Quando aumentou o número de fêmeas, observou-se um correspondente aumento no risco de incidência de dengue”, contou.
“Nosso índice entomológico correlaciona-se positivamente com a incidência de dengue, particularmente durante os intervalos em que as medidas de controle de vetores foram aplicadas de forma menos intensiva”, disse Nogueira.
Os pesquisadores estão agora repetindo o experimento em uma outra vizinhança com o objetivo de validar os resultados do primeiro trabalho e mostrar que, de fato, o novo método é uma alternativa confiável ao Índice de Breteau.
“O estudo atual é mais amplo que o primeiro. Além de dengue, estamos testando o novo método para medir o risco de transmissão de Zika e chikungunya. Mas os resultados ainda devem demorar”, disse Nogueira.
O artigo Using adult Aedes aegypti females to predict areas at risk for dengue transmission: A spatial case-control study, de Maisa Carla Pereira Parra, Eliane Aparecida Fávaro, Margareth Regina Dibo, Adriano Mondini, Álvaro Eduardo Eiras, Erna Geessien Kroon, Mauro Martins Teixeira, Mauricio Lacerda Nogueira e Francisco Chiaravalloti-Neto, pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0001706X17312020?via%3Dihub.