PESQUISA DA UFPB DESCOBRE TRATAMENTO PIONEIRO PARA MICROCEFALIA
Pela primeira vez no mundo, crianças que nasceram com microcefalia decorrente da zika terão a possibilidade de contar com um tratamento em longo prazo para redução das convulsões e melhora da qualidade de vida. A novidade, que amplia os tratamentos disponíveis hoje, nasceu em solo paraibano, desenvolvida por pesquisadores do programa de pós-graduação em Neurociência Cognitiva e Comportamento (PPGNeC), da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Ainda em fase de pesquisa, a proposta, que se baseia no envio de correntes elétricas para o córtex, está na fase final de apreciação pelo comitê de ética do Centro de Ciências da Saúde (CCS). Se for aprovada, o atendimento aos pacientes começa no final de junho.
A zika se tornou conhecida no biênio 2015- 2016, quando ocorreu um surto da doença no Brasil e várias crianças nasceram com microcefalia, uma condição neurológica em que o tamanho da cabeça é inferior à média para a idade, e que causa uma série de limitações. Desde então, foram iniciadas, na UFPB, pesquisas em busca de mecanismos que promovam um tratamento não invasivo, com o propósito de reduzir o número de convulsões nesses pacientes e estimular o desenvolvimento.
Suellen Marinho Andrade, professora do Departamento de Fisioterapia da instituição e coordenadora da pesquisa, relatou que o projeto vem sendo desenvolvido através de uma parceria entre a UFPB e a Rede Cuidar, da Secretaria de Estado da Saúde (SES), que promove assistência às crianças desde o surto, em 2015. Ela explicou que a proposta da equipe é estender esse serviço para tratamento e avaliações mais especializadas. Os pesquisadores aguardam o parecer do comitê para iniciar o atendimento.
“A inovação é porque essas crianças só tiveram os dados epidemiológicos, mas nada relacionado a tratamento. A proposta é tentar modular essa informação neuronal, porque as crianças têm muitas convulsões. Então, vamos tentar fazer um tratamento que ainda não foi utilizado em nenhuma parte do mundo, tentar estimular o neurônio para que ele se comunique melhor e reduza o número de convulsões”, resumiu a pesquisadora. A previsão é que a pesquisa seja concluída em quatro anos.
O neuroestimulador. O equipamento utilizado no novo tratamento se chama neuroestimulador e funciona através da Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua (ETCC). Suellen Marinho Andrade explicou que trata-se de um equipamento portátil e seguro, já utilizado em outras populações clínicas desde a década de 90, tanto adultos como crianças com paralisia cerebral, por exemplo.
“A gente coloca em regiões do cérebro que são afetadas e não é feito nenhum tipo de cirurgia. Ele se comunica através de dois eletrodos colocados em regiões pré-determinadas para controlar ou inibir as convulsões. O aparelho é alimentado por um sistema de baterias, não é ligado na corrente elétrica e não tem efeito adverso grave”. Segundo a professora, o único incômodo relatado por crianças e adultos é uma coceira, um formigamento transitório nos primeiros segundos que a corrente chega no couro cabeludo. Depois há uma adaptação tecidual.
“O aparelho promove uma corrente elétrica dentro do córtex, de baixa intensidade, dois miliamperes. Essa intensidade não é capaz de provocar nenhum tipo de convulsão ou outro problema sério, mas consegue modificar o ambiente neuronal para fazer com que haja o estímulo nervoso”, acrescentou.
No tratamento, os eletrodos não ficam de forma permanente na criança. É feito um protocolo de estimulação de 20 a 30 minutos. É o tempo necessário para modular a informação com a sequência das sessões, ou seja, se forem feitas múltiplas sessões.
“O que a evidência científica mostra é que quanto mais sessões, mais essa informação é retida pelo neurônio. Por isso, não precisaria ficar com o neuroestimulador dentro da cabeça. As sessões periódicas fariam com que a comunicação conseguisse ocorrer de uma maneira mais autônoma. O neurônio iria aprender novas maneiras de se comunicar. Como se trata de pesquisa, a gente vai testar se isso realmente é factível”, esclareceu.
Parcerias internacionais
Para tornar o tratamento uma realidade, foram firmadas parcerias com universidades internacionais como o Colégio de Londres e a Universidade de Nova Iorque. “Nessas crianças com microcefalia decorrente de zika congênita, que é a população específica, nunca foi utilizado. Então, vai ser a primeira vez que essas crianças vão ter a possibilidade de ter um tratamento em longo prazo para redução de convulsão e melhora da qualidade de vida”, disse a professora Suellen Marinho Andrade.
Ela relatou que a Rede Cuidar já acompanha 19 crianças e, a partir do aceite do comitê de ética, as 19 serão avaliadas e inseridas. A ideia é começar com elas, mas a UFPB tem capacidade de receber as que procurarem o serviço. “Nosso laboratório está aberto para qualquer mãe que tenha interesse”, reforçou. Como as crianças nasceram de um surto em 2015/2016, a maioria tem entre 3 e 4 anos.
Uso de remédios. A meta do tratamento com a corrente ETCC não é suprimir a medicação, mas ampliar o escopo terapêutico das crianças, adicionando mais um tratamento para que o neurônio se comunique de uma forma melhor. A partir do controle de convulsão, a perspectiva é que elas fiquem cada vez menos dependentes de medicação.
“Temos neurologistas, neuropediatras na equipe e isso vai ser avaliado por um corpo clínico. Porém, a perspectiva é, sim, que ela se torne cada vez mais independente, mantendo as terapias físicas como a fisioterapia. A proposta não é substituir tratamento, mas ampliar para promover o desenvolvimento motor, porque geralmente essas crianças não andam”, observou a professora Suellen Marinho Andrade.
Além da redução da convulsão, a perspectiva não é fazê-las andar, mas contribuir para que haja um desenvolvimento motor e a melhora de bem estar e qualidade de vida, inclusive da família. O tratamento, conforme a pesquisadora, pode fazer com que as crianças consigam se movimentar de uma maneira mais equilibrada.
“Não propomos uma autonomia completa por causa da lesão grave que elas sofreram. No entanto, se elas tiverem mais independência durante suas atividades, isso já promove um bem-estar para a criança,”, avaliou.
Esperança
Esta é a primeira vez no mundo que a corrente será usada para casos de microcefalia decorrente de zika congênita, e a pesquisadora Suellen Andrade afirmou que está muito esperançosa. “Me sinto assim porque essas crianças até hoje tiveram os dados utilizados em estudos sem perspectiva de tratamento. Tudo que foi publicado na literatura foi em relação à investigação da doença zika propriamente dita, mas não em relação a uma perspectiva de melhora de qualidade de vida para as famílias e as crianças”, constatou.
Segundo a professora, o sentimento de todos os pesquisadores é de esperança de que a equipe, através da pesquisa, consiga promover bem-estar e qualidade de vida que hoje são os pilares defendidos pela OMS.
Atendimento será gratuito
Quando estiver disponível, todo o tratamento será gratuito. Serão fornecidos desde exames clínicos, sanguíneos, até exames de imagem, como ressonância magnética, que são de alto custo. Para isso, foi firmada parceria com o Hospital Metropolitano. A assistência inclui ainda transporte que será ofertado pela Secretaria de Estado da Saúde (SES).
A equipe conta com profissionais de diversas especialidades voltados só para assistência dessas crianças em vários centros da UFPB, como os departamentos de Fisioterapia, Biotecnologia, Fonoaudiologia, Psicologia e o Centro de Ciências Médicas (CCM). No Brasil, as parcerias são com o Instituto Santos Dumont, Instituto Internacional de Neurociências, Universidade Federal do ABC, Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). No exterior, os parceiros são a Universidade de Nova Iorque e o Colégio de Londres.